terça-feira, 1 de dezembro de 2009

AS ACADEMIAS INICIÁTICAS DO CONGO

AS ACADEMIAS INICIÁTICAS DO CONGO

Eu disse anteriormente que existia no Reino do Congo academias iniciáticas onde se ensinava a ciência do Kindoki. Eu citei o Lemba, o Kimpassi, o Buelo e o Kinkimba. Se bem que os racionalistas tem feito de tudo para diminuir o papel dessas academias e as apagar da memória dos Basikongos, elas continuam a viver e a preservar o essencial. Entretanto, a história fala mais do Lemba e dessa instituição podemos recolher abundantes informações. Portanto, além do Lemba, o Kimpasi continua bonito e bem vivo. Essas duas academias eram as mais representativas no Reino do Congo dia ntotila. O Lemba era mais freqüente ao norte do Nzadi Kongo, o rio Congo, e o Kimpasi tinha seu domínio no sul do mesmo rio.

O Lemba

A doutrina do Lemba é a parte da cosmogonia congo que ensina que o homem original Mahungu foi criado a imagem de Deus, homem e mulher. Ele manifesta perfeitamente os atributos de Deus, era semelhante a Deus e tinha seu domínio sobre todas as coisas da terra. Como desobedecesse, ele perdeu sua divindade e acabou dividido em dois: homem e mulher. Este mito todo mundo conhece, mas só os iniciados sabem que na realidade Mahungu, o homem divino não é nunca dividido em dois, mas que a humanidade apenas tem a impressão dessa divisão, mas que o homem original vive em cada um de nós. E que podemos voltar ao estado original, a nossa forma divina, graças aos pensamentos puros. O nganga-Lemba é aquele que é capaz de restituir no homem sua consciência divina original. Ele pode estar frente a frente com os antepassados, os Nkukunyngu.
A iniciação Lemba continua viva entre os basundi no congo-brazzaville.


O Kimpasi

O kimpasi é outra academia iniciática congo e que tem como objetivo despertar a divindade do homem através de vários rituais. O kimpasi também continua vivo entre os povos do antigo reino do Congo.

sábado, 14 de novembro de 2009

O nkutu do condado de Soyo

Extraído de http://www.abbol.com/bookbank/books/aequatoria%201961.pdf
Tradução livre do Prof. Dr. Sérgio Paulo Adolfo


eJè&c\ucitorici
N° 2 24e Année, 1961
O nkutu do condado de Soyo

Entre os objetos sagrados, as insígnias do poder, bi-bialulu destinados a investidura do Manin Kongo, figura uma bolsa, nkutu. Uma bolsa idêntica pertence ao condado de Soyo, Nkukulu a Soyo.

1 – Natureza do nkutu

O nkutu é antes de tudo o atributo do caçador. É uma bolsa de fibras de ráfia ou de ananás, de fundo arredondado, com uma alça para se levar ao ombro; o aspecto é aquele de uma bolsa usada para transportar mercadorias em uma viagem. O caçador a usa para transportar tudo aquilo que é necessário para uma jornada de caça. Os objetos transportados não são nem muito volumosos nem muito pesados, artigos de caça, caixinha de rapé, folhas de tabaco, fósforos, mandioca ou noz de cola; enfim, tudo aquilo que ele poderá necessitar. Pode ser que essa bolsa, antigamente fosse uma aljava. Mas depois, com a introdução do fuzil e outras armas de fogo, o arco e a flecha foram deixados de lado, só sendo hoje utilizados para matar pequenos roedores ou pássaros. Portanto, na bolsa vão duas ou três flechas não sendo necessário o uso de uma aljava.
O nkutu é praticamente indispensável ao caçador porque é através dele que ele transporta suas munições e algum alimento como um pedaço de mandioca, um naco de carne, mas nunca uma refeição completa porque a refeição completa ele fará quando voltar da caça. Cada caçador tem sua própria bolsa e é imperdoável que um caçador mexa na bolsa do outro, ou examine os objetos que ela contém.
Nkutu não é uma bolsa de provisões. O nkutu é uma bolsa do caçador e não do viajante. Sendo assim, ele é reservado ao uso somente dos homens e nenhuma mulher o usa. É um objeto reservado como o é o arco do tirador de vinho de palma (nkozo), o cordão da cesta das mulheres (lu-abi) que nenhuma pessoa de outro sexo pode usá-lo, pois é uma proibição (vina)
O nkutu é carregado sobre o ombro esquerdo. O cordão que o sustém deve ser bem longo para não atrapalhar os movimentos de quem o está usando.
O nkutu encontra-se entre os atributos da realeza entre os baKongo. O Mani Kongo tinha seu Nkutu assim como todos os governadores de províncias, duques e condes. É de supor que este atributo era uma tradição comum a todos os senhores chefes de terra e não algo exclusivo ao Rei do Congo. Nunca ele autorizaria aos seus vassalos se fosse um atributo de exclusividade real.
A origem do nkutu atributo da realeza deve ter surgido no ciclo da caça. Seu nome Nkutu deve ter originado da palavra “ko ago”, do substantivo Nknngo, o caçador. Todas os nomes de família derivam de uma sentença que explicite o nome através de um verbo do mesmo radical. Assim Kongo, deriva Du verbo kongo-kunga, reunir,ajuntar. Ma kongo é o senhor que reúne sob seu comando as famílias e os clãs diversos. Em efeito, porque numa det Toda a vida kongo está sob o signo da caça, cheia de reminicências da vida da caça.
Ser caçador é um trabalho nobre, o símbolo do homem livre. No MaYombe ninguém era iniciado a divindade protetora da terra, Nkisi si e agregado a sociedade dos BAsemuka se não fosse um caçador bem sucedido (sinal que era amado dos deuses). Animais e florestas constituem a base do folclore indígena. No Soyo, umas das poucas constelações conhecidas, a de Orion se constitue do caçador, do cachorro e da gazela.
Por ocasião da eleição do rei as referências a vida da caça são explícitas.Vejamos o que se passava em Cabinda para a consagração do Ma Ngoyo. Após a designação do futuro rei, ele deveria permanecer na Casa do Um-elele, o chefe do clã. Os conselheiros marcavam o dia Kando, dia da semana indígena para a primeira cerimônia. O pretendente então deveria passar pela aldeia do Ntoonde ele prestava o primeiro juramento. Um Nganga dava a ele a água benzida e colocava no seu braço direito um bracelete feito de latão, chamado vindt (seria uma alusão a transmissão do Nkutu?) A cerimônia seguinte com juramento se realizava na floresta de Ntende, à margens de um lago. Uma terceira era o reencontro do futuro rei com a princesa Ma Nkata, e isto acontecia dentro da floresta. Enfim, a última, um coito realizado com a mulher chamada Yambi sempre na floresta. Um outro autor (João de Mattos – Contribuição para o estudo da Região de Cabinda) acrescenta que para a sagração do Ma Ngoyo era necessário o rapto simulado da esposa do primeiro mandatário do clã, a permanência com ela na floresta durante três dias, se alimentando apenas de frutos crus, e percorrendo grandes distâncias. Entretanto, era necessário que o rei jamais execrasse a terra, e que fosse derramado sangue humano ou de um animal de grande porte.
O Ma-kongo do ka-kongo antes de se apoderar do trono era submetido a uma regime alimentar ritual que é normalmente aquele do caçador: raízes de mandioca e coco.

3. O nkutu de Soyo

O nkutu de Soyo não tem certamente outras origens.Entretanto, um outro elemento, a lenda da fundação da dinastia o insere. Para a compreender um giro pelos costumes dos Solongo se faz necessário. Se trata do Simbi. O simbi (PL. isimbi) é um ser de uma essência superior a nossa, um ser bem real, um pouco entre o material e o imaterial – é necessário evitar o termo espiritual – é uma espécie de gênio das águas. Pode ser macho ou fêmea, como os seres humanos. Em certas ocasiões pode-se surpreendê-lo, capturá-lo e aprisioná-lo, esse feito pode ser executado por pessoas que possuem uma força espiritual superior a dele. A morada desses gênios é a água, rios ou lagoas. Preferentemente esses locais são marcados por cascatas, cavernas ou rochas, abismos ou locais mais profundos. Eles vivem lá tendo uma boa convivência com os simples mortais, mas às vezes saem para visitar os humanos como divertimento.
Esses divertimentos podem entretanto ter complicações mais sérias. O simbi pode seguir então uma mulher que venha buscar água no rio ou um homem que mergulha em busca de pesca. Nove meses depois nasce uma criança na forma de albino, ou um par de gêmeos, ou um anão. Assim se pode distinguir simbi ia nlangu, o gênio das águas, do simbi ia ntandu, o gênio da terra firme, tendo em conta a maneira como ele encarnou num humano.

A crença na encarnação de um ser de outra ordem na forma de albinos ou de gêmeos é comum em toda a etnia kongo. No MaYombe entretanto, os mbaka-baka, os pigmeus e anões não eram considerados de essência superior. Enquanto que, sob o lado esquerdo do Zaire eles são considerados seres fabulosos, de lenda. O ki-lombo é exclusivo da margem esquerda. Enquanto o nome de ki lombo seja conhecido também no Ma Yombe e empregado como nome de pessoa, muito mais entretanto que na região de Soyo. (ki lombo significa também: caravana, uma quantidade de gente)
Antes do nascimento, o simbi pode se manifestar à mãe grávida seja através de sonhos ou por certos estados particulares. Isso é comunicado ao Nganga que dará as devidas explicações.
Muitos simbi podem nascer através da mesma mulher; um dos dois virá então como precursor; esse será o ki lombo.
Em seu nascimento, o ki lombo traz os signos de sua missão. Nas espáduas carrega uma bandeirola, em duplo cordão cruzado sobre o peito, nsinga ou ndembe a nleze. Sobre o alto da cabeça possuiu uma carapuça vermelha, mpu a ki mbungu a m’enga, literalmente: boné da cor do sangue. Sobre a borda exterior da mão ajunta-se um apêndice em forma de bolsa, nkutu. É um caçador rei ou um rei caçador que chega; ui utuka ki kutu muna to k andi ie ndembe a nleze ie ‘mptt a ki mbungu me ga= ele é nascido com a camisa sobre o corpo, a bandeirola e o boné vermelho.
A criança que nasce após os gêmeos se chamava – nlandu – Após o nascimento de albinos a mãe não poderá mais engravidar. Ki lombo, numba et zuzi, ndundu e mbi são as encarnações do simbi. Toda sua vida se desenvolverá sob esse signo.
O nascimento mesmo é um acontecimento. Todos os nganga simbi, eles também pais de simbi são convocados e consultados sobre a importância e a significação do fato. A criança e a mãe deerão evitar de sair de casa, não como as outras mães, durante um mês, mas permaneceram em casa dou ou três anos. A saída –i o teta nkandi= abrir a noz de cola, porque a mãe abrirá então uma noz. Como óleo de palma cobrirá seu corpo e o corpo da criança; ou o vaika va senze = abandonar a cama onde no primeiro mês a mãe dormiu com seu filho) sempre a uma nova lua = ngonde ii zanaamene) será uma cerimônia celebrada por grande número de pessoas. Nesta ocasião toma-se uma noz de cola (kanda e sombo) menos dura que as outras porque a mãe deverá abri-la de um só golpe de pedra( muanda e mose kaka ).

Mesmo criança o simbi usufruia sempre de um estatuto especial correspondendo a sua origem. Ele é independente do homem e da mulher, pois ele é um ser especial. Todos procuram tratá-lo bem e temem por sua vingança. Acreditam que ele poderá se tornar invisível para se vingar das pessoas.
Para manifestar seus desejos ou um simples capricho o simbi se serve dum médium, seja da família seja da aldeia, aparecendo em sonho e revelando o que necessita. A pessoa prevenirá seus familiares e aqueles irão executar.
Quando o simbi adquire uma certa idade é construído para ele uma cabana igual a dos demais mas um pouco afastada. A inauguração dessa cabana corresponde a uma espécie de consagração. Outros simbi são convidados para participar da inauguração. Um pequena cesta com tampa, - unde – mas em língua io bi : kangu Kia simbi, é necessária Os outros simbi colocam nela: a ponta da cauda de um animal – fu gi ou nsisa a miakasa, em língua simbi – nsese simbi, e seu espanta mosca. – lu vemba, uma pedra calcária, que pode ser reduzida a pó, tirada das falésias – ela se chama mpezo ou nguza porque ela é empregada nas cerimônias de ngola;todos os desenhos rituais serão feitos com ela.
Ntadi a ngubia, igualmente uma pedra calcária, mas de cor ocre, utilizada para os mesmos fins que lu vemba.
Tambi Kia ngufu, o casco do hipopótamo;
Ma sevo ou ma semono, búzios do mar, que são inevitáveis em todas as cerimônias;
Ma kazu, a noz de cola, necessária para os exorcismos; o feiticeiro a masca e espalha sobre os membros do consulente;
Zi mpangu, argolas de ferro;
Meso nkana – um fruto silvestre.
Todos estes objetos são venerados pelo seu valor mágico e são necessários em todas as cerimônias religiosas.
Na casa, o simbi continua sua vida dupla. Seguidamente durante seu sono ele faz predições do futuro, previne as pessoas de algum mal ou de alguma doença que poderá atacá-las, indica remédios e meios de se livrar dos conjuros. Se alguma calamidade ameaça a comunidade o simbi preside as cerimônias de expiação, benze os fiéis.
Um certo Mbungu-mbungu, um albino da aldeia Ki-ma-uete, percorria a região de Soyo, descobrindo infalivelmente os ba kisi, os maus feitiços, aqueles que matam, e os queimando em um grande auto-de-fé.
Os simbi eram sagrados, zi toma e nsi, depositários das forças mágicas para o bem da comunidade mas também eram investidos de autoridade religiosa e de poder regulamentar o culto religioso. Como na sociedade congolesa não havia divisão entre o poder religioso e o político, eles gozavam de um grande poder sobre a vida do clã. Os simbi eram por eles mesmos iniciados e afiliados a um grande número de feitiços. Para eles não existia nenhuma prescrição ou proibição ritual.

Segundo a filosofia congolesa, a personalidade completa de um indivíduo compreende tudo que está intimamente ligado a ele: dentes, cabelos, dedos, a marca de seus pés sobre a terra, até a sombra de seu corpo. Todos estes elementos guardam um contacto intimo entre a personalidade psíquica e moral do indivíduo. Cabelos e unhas se prestam maravilhosamente a todos os feitiços. Um tufo de cabelos jogados ao vento e recolhidos por um pássaro pode se tornar causa de loucura. É por esta razão que todo que se refere ao corpo deve ser enterrados, como uma pessoa e necessitando, conservado até que a ocasião se apresente, porque a terra é como uma guardiã do clã. Pela mesma razão nenhum rei ou príncipe serão enterrados se não estiverem completos
Sempre pelo mesmo motivo o famoso nkobe mbingu, uma espécie de relicário do clã, ou melhor, a reunião sempre atual do clã, continha uma mínima parcela dos membros vivos (cabinda, kakongo). E eis porque, unhas e dentes e cabelos de simbi eram colocados quase como simbi mesmo e que o nkutu de Soyo continha um fêmur de ndudu.
Evidentemente que essas pessoas simbi dificilmente encontram casamento, mas suas qualidades superiores intervêm em seu favor. Ao simbi homem é suficiente dar uma pernada (zombuka) nas pernas de uma mulher sentada. A mulher assim designada deverá automaticamente esposá-lo.
A simbi mulher poderá deixar-se fazer a vontade. Se ela parecer grávida o sedutor deverá ressarcir a família de todas as despesas. Mas uma mulher simbi não poderá fazer comida, nem ajudar nos campos, nem executar nenhum trabalho doméstico, o que torna inviável sua vida de casada.
Enfim, o simbi mesmo morto requer ainda um tratamento especial. A crença era, se se tratar de uma criança, que era suficiente estender o cadáver numa cama e fechar a porta da casa – vela Kia simbi – que espontaneamente as formigas sairiam da terra e construiriam uma casa em torno do morto até que ele fosse coberto pela terra. Se o corpo fosse enterrado seu corpo deveria ser enterrado em peças de tecido e colocado próximo de um curso de água, próximo da casa. A casa do morto continuaria por um certo tempo a ser centro de peregrinagem.
Ne Nzinga a Nsunda, o fundador da dinastia Soyo era um simbi, da espécie ki lombo. Somente essa ligação lhe deu esse nome, ele se chamava Nzinga, o enrolado (pela corda ndembe a nzele)
Tudo assinala o ki lombo: o boné vermelho, a corda cruzada e a bolsa de caçador, atributos dos nobres Solongo. Ainda hoje em ocasiões especiais usam um largo pano passado pelas espáduas – ndembe a nleze. Um costume idêntico foi observado em Cabinda. O boné vermelho era reservado a algumas cerimônias. E a bolsa de caçador é ainda hoje insigna da realeza, um aspecto comum a todos os clans do kongo.

B Papel do Nkutu

O nkutu do kongo servia para recolher impostos sob a forma de Nzimbu, e também para guardar documentos do arquivo real. No Soyo ele tem essas duas funções e também a de relicário familiar, tudo de uma maneira simbólica. O nkutu do Soyo contém: ntanda a kodal, uma corda com as pérolas vermelhas (coral) enfiadas; ntanda a sungu, um cordão com os cauris; lundu dua kulu dia ndundu bu kadi, o fêmur de um albino; crucifixo e medalhas de fabricação indígena, modelo daqueles introduzidos pelos primeiros missionários. Cada objeto tem sua significação e seu emprego próprios. Para os conhecer é necessário uma pessoa qualificada para os explicar, é necessário recorrer a interpretação por ocasião de cerimônias onde esses objetos são encontrados.
O crucifixo como emblema de autoridade indígena parece ser posterior ao período dos missionários capuchinhos; ele não aparece sobre as antigas gravuras que mostram o rei do Kongo, tinha seu cetro e seu cetro não parece coroado por um crucifixo. Quando os missionários abandonaram o país, o crucifixo passou a ser um objeto de bendição entre as mãos dos chefes

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Noz de cola entre os bantandu - grupo bakongo

A noz de cola é o fruto do colateiro (cola acuminata) planta da família dos sterculiacées, tais como o cacau, de origem da África tropical e da América Latina.
A noz de cola é apreciada por seu gosto amargo e ardente e apreciada sobretudo por suas propriedades tônicas e adestringentes. Ela contém cafeína, é um bom estimulante nervoso e tônico para o coração. Ela tem a reputação de facilitar a digestão e ter propriedades afrodisíacas.
Ela constitui junto com o vinho de palma (e o galo) os presentes que oferecemos aos”bakulu” (antepassados), nos casamentos e aos estrangeiros (os que visitam os membros do clã)
Distribui-se entre os convidados em todas as cerimônias como símbolo de boas vindas, símbolo de amizade ou para selar pactos de amizade ou promover a reconciliação. Distribui-se como um gesto de saudação com uma parte (da noz de cola) deslizando da palma da mão.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

CONHECIMENTO E FUNDAMENTO

Conhecimento e fundamento
O conhecimento é necessário em toda e qualquer atividade humana. Não seria diferente na religiao e sobretudo na nossa religião. É necessário e faz bem conhecermos nossa história, nossos ancestrais, as línguas que utilizamos em nossos rituais e tudo aquilo que estiver relacionado a nossa prática religiosa. Em todas as religiões as pessoas lêem e estudam muito. Há inclusive centros de estudos para formar sacerdotes. Caso do budismo, islamismo, cristianismo, judaísmo e assim por diante.No entanto, muitos confundem conhecimento cultural com os fundamentos do culto.Fundamento, a meu ver, são os atos executados no interior do baquissi, é o momento do sagrado, quando nossas divindades se fazem presente e guiam a mão do sacerdote para a execução correta do ato fundamental, por isso chamado de fundamento. Por outro lado, possa saber tudo o que se passa lá, posso conhecer as rezas e cantigas, posso saber matar o bicho e as comidas votivas, mas se não tenho nguzo recebido de nada vai me adiantar. Saber, no candombé não é poder fazer. Para poder fazer é necessário ter "mão" ou seja ter sido destinado pra aquilo, ter nguzo pra distribuir. Só o conhecimento não torna alguém um sacerdote. É preciso mais, muito mais.
Esses novos tempos tem confundido algumas pessoas em relação ao segredo do culto.Os segredos para serem mantidos não precisam ser camuflados. Os segredos existem e sempre existirão. Talvez não com mesma intensidade e necessidade que eles já existiram, mas eles continuarão existindo, porque o Candomblé é uma religião iniciática e dependendo do grau de iniciação do indivíduo ele pode participar de certos atos ou não. Para um ndumbo tudo é segredo, mas para um muzenza nem tudo é mais segredo, como o número de segredos de um kota é menor que o de um muzenza e assim por diante. Quanto mais avançamos em nossa iniciação mais os segredos nos serão desvendados. No entanto, o teor de cantigas, o uso de determinados modos da língua, a história dos povos africanos, a história da fundação das casas matrizes, nada disso é segredo porque nada disso constitue-se em fundamentos. Isso faz parte do conhecimento cultural e, na minha opinião, pode e deve vir a público.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

GALINHA DA ANGOLA

A galinha-d'angola, galinha-do-mato, guiné ou pintada (Numida meleagris) é uma ave da ordem dos galliformes, originária da África e introduzida no Brasil pelos colonizadores portugueses, que a trouxeram da África Ocidental.
No Brasil, a ave é conhecida por vários nomes, dependendo da região, sendo chamada de cocá, tô fraco ou angolista, ou ainda, erroneamente, de galinhola. Características
Em relação às características físicas, encontram-se três tipos. A mais comum é a pedrês - cinza com bolinhas brancas. Existem ainda as inteiramente brancas e também a pampa, resultado do cruzamento das primeiras. Também são conhecidas pelo nome de capote devido a plumagem.
Com cerca de três meses, o macho já apresenta uma crista pronunciada para a frente, como um chifre; na fêmea, essa crista é mais arredondada.
Algumas apresentam ornamentos de penas alongadas no peito. A espora está presente nos machos adultos. Possuem bicos curtos e fortes, próprios para ciscar.
Comportamento
As aves ficam nervosas facilmente, sendo extremamente agitadas, muitas vezes chegam ao estresse. São aves de bando: vivem em bandos, locomovem-se em bandos e precisam do bando para se reproduzir, pois só assim sentem estímulo para o acasalamento. E, como grupo, são organizadas. Cada grupo tem seu líder, o que é fácil de constatar no momento em que se alimentam: o líder vigia enquanto seus companheiros comem, e só depois de verificar que está tudo em ordem é que começa a comer.
São aves rústicas e fáceis de criar, exceto num ponto: deixadas soltas, escondem os ninhos com o requinte de botar os ovos em camadas e ainda cobertos por palha ou outro material disponível.
As galinhas-d'angola não são boas mães,raramente entram no choco, fazem posturas conjuntas, ninhadas de até 40 ovos, dispostos em camadas, desta forma somente os ovos de cima recebem o calor da ave e descascam. São inquietas, arrastam os pintos para a umidade, podendo comprometer a sobrevivência dos pintos. Em criações em cativeiro é recomendável recolher os ovos e colocá-los em incubadoras ou serem chocados por uma galinha.
Reprodução
Na hora do acasalamento a iniciativa é da fêmea. O período de abril a agosto (intervalo de postura) é aquele em que as aves estão mais sociais, vivendo em grandes grupos, e no qual trocam as penas. No final dessa fase, vão escolhendo seus pares (duas fêmeas para um macho), depois ocorrem os acasalamentos. O período principal de postura vai de setembro a março, com uma média de setenta a oitenta ovos cada fêmea.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

NOZ DE COLA

NOZ DE COLA
Noz-de-colaOrigem: Wikipédia, a enciclopédia livre.Cola Cola acuminata Classificação científica Reino: PlantaeDivisão: MagnoliophytaClasse: MagnoliopsidaOrdem: MalvalesFamília: MalvaceaeSubfamília: SterculioideaeGénero: Cola Schott & Endl.Conhecida como obi (casas de ketu) e Dikezu (pl. Makezu) nas casas de angola A noz-de-cola (também chamada de abajá, café-do-sudão, cola, makezu, obi, e oribi.) é o fruto das plantas pertencentes ao género Cole da subfamília Sterculioideae (Malvaceae). As variedades mais comuns são obtidas de várias árvores do oeste da África ou da Indonésia, como Cola nitida ou Cola vera e a Cola acuminata. O grupo contém um total de 125 espécies.Possuindo um gosto amargo e grande quantidade de cafeína, a noz de cola é usada por muitas culturas do oeste africano, tanto individualmente quanto em grupo. Muitas vezes é usada cerimonialmente ou dada para convidados.A noz era utilizada originalmente para produzir refrigerantes de cola, mas foi substituída por aromatizantes artificiais visando diminuir custos na produção em massa. Algumas exceções incluem a Red Kola da A.G. Barr plc, Harboe Original Taste Cola e Cricket Cola, a última feita de noz de cola e chá verde.As sementes tem ação estimulantes, regularizadora da circulação. Atuam como um tônico revigorizante, excitante do sistema nervoso e muscular. É também antidiarréica e usada nos casos de anemia, convalescença de doenças graves, problemas estomacais e certas enxaquecas e sobretudo nas perturbações funcionais do coração. As sementes contém teobromina e cafeína, usadas por muitas pessoas como sucedâneo do cacau e do café.A noz-de-cola cresce espontaneamente na África Ocidental e Central em climas quentes e úmidos. O uso de suas amêndoas difundiu-se na região norte da América Latina através dos escravos negros que mascavam colas para suportar trabalhos penosos. Depois foi levada a outros países com finalidades agroindustriais.

sábado, 18 de julho de 2009

COSMOGONIA, FEITIÇARIA E MAGIA ENTRE OS BAKONGOS

http://avatarpage.net/racines.html#coskong
Cosmogonie, sorcellerie et magie chez le Bakongo..
COSMOGONIA, FEITIÇARIA E MAGIA ENTRE OS BAKONGOS
Tradução livre do Prof. Dr. Sérgio Paulo Adolfo - Kindudulu
No momento, utilizaremos a palavra Kongo no que se refere as populações bantu chamadas Bakongo (pl.) originárias do antigo reino do Kongo que compreende os dois Congos (ex Belga e Francês), assim como o país de Angola e a atual Cabinda. Sendo assim, os cultos sincréticos afro-americanos que serão analisados trazem emblematicamente em seus nomes os termos de Angola, do Congo ou mesmo de Cabinda, Mayombe ou qualquer outra região do ex-reino do congo, que serão os nomes diferenciadores e que os distinguirão, como cultos de origem bantu, em contraposição aos cultos de origem yorubana.

A cosmogonia kongo tal como as cosmogonias yoruba e voduns repousa sobre a crença num Deus único (Nzambi mpongo) criador do céu, das estrelas, da lua, do sol e da terra. Ele criou também a natureza e suas forças, os animais, o homem e a mulher. Deus ensinou aos últimos o segredo dos minkissi, dos makutos( amuletos) e do nganga. Feito isso, retirou-se para o céu levando consigo seu lado negativo, Lugombé, facilmente identificado como o diabo, mas que na verdade é apenas a polaridade opositora para que seja mantido o equilíbrio entre o mal e o bem.

Como nas demais cosmogonias, o Deus único deixou entidades intermediárias para velarem pela sua criação. No nosso caso, os equivalentes aos orixás são os Kimbungulu(pl. De mpongo). Entretanto, as relações entre os homens e os kimpungulu não se dão da mesma maneira que seus vizinhos yorubanos, pois entre os congos, o pilar central do fenômeno religioso se constrói numa relação fortemente impregnada de magia que repousa sobre os ancestrais e sobre lugares específicos como os rios, cascatas, fontes, etc. que são habitadas pelos gênios ou espíritos próximos dos ancestrais, colocados a serviço da comunidade, dentro de uma metodologia bem codificada.

É necessário compreendermos que a religião bantu, tal como a dos yorubás e voduns não tem muita coisa a ver com nosso conceito de religião. As religiões africanas deverão ser vistas como um conjunto de práticas rituais e crenças que lhe permitem ao indivíduo esperar que para além da morte estarão perpetuados os laços com os ancestrais que foram elevados à condição de divindades. Nesse sentido, os ancestrais, as divindades e os espíritos são os guias destinados a ajudar o homem na sua caminhada pela terra. A grande preocupação das crenças africanas é concreta e pragmática : é a preservção da família e do clan.
Entretanto, se essas forças podem ser usadas para o bem e podem também ser usadas para fazer o mal. Todas as forças colocadas em circulação pelo culto congo tem como prioridade a magia sobre a religião.

Dentro desse universo mágico religioso há papéis muito bem definidos. Há os iniciadores, os intermediários, os destinatários. O fundamento do sistema se apóia sobre uma especialização das funções, seja no domínio privado ou público. Esta especialização também se estende aos intermediários espirituais que serão utlizados, pois podem utilizar-se das forças, dos espíritos, dos fantasmas, etc. Assim, toda ação de magia terá a intervinência de um sacerdote (feitiçeiro ou mágico do bem), uma entidade intermediária (ancestral ou espírito local) e um destinatário, a coletividade ou o indivíduo.


No domínio público, muitas vezes, envia-se um malefício para o clan ou o grupo social pelas mãos do próprio chefe da vila ou dos anciãos. Para isso eles se utilizam das energias dos ancestrais, no sentido de proporcionarem uma lição àquelas pessoas, e não propriamente no sentido de prejudicá-las. Para tal, concorrem os serviços dos bisimbi (pl. De simbi) que são os espíritos locais benevolentes, com tarefas particulares.

No sentido privado, os atores são também especialistas. Para enviar uma magia negra o feiticeiro ou Ndoki coloca a seu serviço um fantasma (nkuyu) que geralmente é uma alma errante de um antigo feiticeiro ou um membro da tribo que por não ter uma vida respeitável ou por ter se suicidado, não se encontra no mundo dos ancestres. Opondo-se ao feiticeiro posiciona-se o Nganga que vai intervir para realizar os desejos de seu cliente que está sendo prejudicado pelo Ndoki. O nganga vai construir um Nkissi e nele transmitir sua magia. O nkissi constitue-se numa estatueta antropomorfe ou zoomorfe carregada de materias mágicos constituidos de matériais minerais, vegetais e animais carregados de força mágica. Esta estatueta chama-se bilongo.

Na sociedade congo, certos acontecimentos como por exemplo, a morte de uma criança nunca são vistos como coisas naturais, mas sim pelo efeito de feitiçaria resultado da ação de um feiticeiro ou de um ancestral descontente com os seus.
O feiticeiro é dotado de um orgão especial chamado kundu que tem a capacidade de comer a alma de outras pessoas. Qualquer individuo pode ter esse poder e nem saber disso. Nem todos os nganga conseguem ver esse fenômeno nas pessoas, apenas o nganga advinhador é capaz disso, chamado de Nganga Ngombo. Os individuos suspeitos passam por uma prova, ou seja tomam determinadas substâncias que farão com ele será condenado ou absolvido dessa acusação.
No exílio nas américas vemos que a população congo rompeu com parte dessa tradição, pois os laços com os clãs e linhagens foram quebrados. Assim sendo, a magia religiosa ligado aos clãs e linhagens foram totalmente esquecidas sobrevivendo apenas a magia religiosa ligada ao indivíduo.
Como resultado temos duas consequência principais : em certos casos a religiosidade bantu sincretizou-se com outras formas de magia africana como a yoruba, adotando seus deuses (orixás) e mantendo alguma lembrança de seu culto original. Como efeito, os kipungulu, que tem como similares os orixás e os voduns, deixaram de ser venerados. Como consequência, a religião dá lugar a magia e a feitiçaria.
Os nganga passam a ser consultados apenas para resolver os problemas sentimentais, financeiros, de saúde, ou por outros assuntos do cotidiano.
Igualmente, por esta vulnerabilidade, que o culto de Angola, no Brasil, agregou em seu panteão os ameríndios, dando nascimento ao candomblé de Caboclo.

O Palo cubano permanece a forma menos alterada do sincretismo de origem congo na américa latina. Entretanto, não se podemos perder as referências ancestrais de linhagem e do espaço africano no culto original do Congo. Assim, o Palo terá também a tendência de se transformar numa magia do privado em detrimento do coletivo. O nganga em Cuba prepara o recipiente contendo as matérias constitutivas da magia, chamado de prenda e coloca pequenos pedaços de pau que acabaram dando nome ao culto.
O termo nganga atribuido ao sacerdote em África tomou lugar no Mayombe de Nganga judeu quando trabalha com magia negra e Nganga cristão quando se trata de magia branca. A magia branca e a negra sao manipulados por todos os paleros, mas dificilmente um palero admite que trabalha com magia negra.

Em cuba, o termo nkissi seguidamente traduzido pelo termo Inquice é utilizado não mais para definir o recipiente ou o feitiço mas por assimilação ao NKissi (recipiente) bilongo (carrego mágico que contêm os espíritos) a palavra Nkissi acabou por definir os espíritos ou entidades, ou seja, os Kimpungulu propriamente ditos.

Os principais sincretismos encontrados da cultura congo nas américas são o Palo Mayombe de cuba, o candomblé angola do Brasil, assim como o candomblé de caboclo, que recebe os ameríndios, o culto Obeah das antilhas britânicas, o Hoodoo ou Conjure dos Estados Unidos da América, o Kumina jamaicano.


Observação do tradutor :

No Brasil, no candomblé de Congo-Angola também denominamos Nkissi a todas as divindades, tais com em Cuba. Os kimpungulu são chamados no Brasil de Nkissi (plural Minkissi)

segunda-feira, 13 de julho de 2009

à propos des masques http://www.piedsnussurlaterresacree.com/article-25123966.html

à propósito das máscaras

tradução livre do Prof. Dr. Sérgio Paulo Adolfo




A arte primitiva africana não deixa ninguém indiferente, porque ela provoca no observador um largo espectro de emoções, além da serenidade, do maravilhamento, seguido de uma sensação indecifrável, de atração e de perplexidade. Está arte é a fonte da humanidade e permanece imutável através dos tempos apesar das vicissitudes por que tem passado o continente africano. Sua mensagem se inscreve na universalidade.
Cada máscara é um livro de magia aberto que fascina, que suscita a curiosidade, pois que nos convida a decifrar para descobrir de capítulo em capítulo a mensagem revelada. O escultor africano não tem o mesmo desejo que o escultor contemporâneo que sente necessidade de colocar sua assinatura na obra. Na África, a obra de arte não é propriedade de um escultor, mas é a expressão de uma etnia, de um povo e da divindade que utiliza a mão do artista para nela pousar sua essência espiritual num objeto profano.
Se o continente africano abriga uma grande variedade de cultura onde cada uma se caracteriza por sua linguagem, suas tradições e suas formas artísticas, a arte africana no seu conjunto, engloba e abraça por sua vez a história, a filosofia, a espiritualidade e os mitos. Ela traz consigo a alma de todo o continente. A arte africana não visa à representação, a imitação ou a figuração, mas a significação, o simbólico. Ela transgride a forma em proveito de seu conteúdo, de seu sentido ou o que ela exprime. A beleza desta arte vem de sua especificidade, uma estética do domínio do indizível, do domínio do re-sentimento, da sensação do choque que ela provoca.
A arte africana desperta primeiramente a função mais que a forma particularmente em certas etnias africanas. Com efeito, desperta a própria vida e suas manifestações, sobretudo por uma concepção mística e unificadora do mundo. Também, a beleza não é jamais almejada por ela mesma. Há uma preocupação fundamental de ligar o pensamento religioso e o objeto encarregado de exprimi-lo ou de servi-lo. Esses objetos são feitos por artistas que se colocam a serviço do culto dos ancestrais. Não se pode separar o valor plástico da obra de seu contexto social ou religioso. O papel último dessas obras é de mostrar nelas o invisível.
A máscara africana é vista, muitas vezes, pelos ocidentais, com olhares cheios de idéias preconcebidas e de julgamentos prévios. Ela não é um acessório de teatro nem um objeto de arte decorativa e menos ainda um acessório de feitiçaria. É, sobretudo um ser sagrado que utiliza-se do suporte material do homem, considerado então como um guardião, para aparecer e se exprimir. Ela não representa um ser: ela é um ser.

AS MÁSCARAS SAGRADAS representam uma divindade, uma força vital. Elas detêm os poderes religiosos. Elas exercem uma ação propiciatória ao trazer forças vitais benéficas (gênios, deuses secundários) que são os intercessores entre os homens e um deus difuso no universo. Elas exprimem a majestade, a sabedoria, o mistério das forças sobrenaturais que as animam. Elas são encarregadas de mostrar o invisível aos olhos humanos. Elas afastam as forças vitais do mal, elas protegem os homens das forças maléficas. Elas intervêm nas cerimônias: ritos de passagem, purificação, sacrifícios, iniciações, conjurações...elas desempenham um papel essencial no restabelecimento da ordem social. Elas representam os ancestrais e Deus, elas são boas e justas. Elas punem aqueles que trazem a desordem e a insegurança. Elas funcionam com o juízes supremos. Elas detêm os poderes jurídicos. Elas julgam os litígios, os problemas de família, dos clãs, das tribos. Estas máscaras só saem em acontecimentos importantes ou são guardadas em recipientes privados e sagrados.

AS MÁSCARAS PROFANAS são representadas por uma multitude de máscaras que se produzem em momentos de festa e divertimentos. Sobre as máscaras de divertimentos diríamos que elas representam os ancestrais do clã da família, visando a atrair a alma do ancestral e capitalizar sua essência vital. Imortais, eles, os ancestrais são os depositários de um patrimônio cultural. São quem contam as histórias, são a memória do povo. Eles formam uma sociedade hierarquizada, a máscara sagrada é acompanhada por uma plêiade de outras máscaras. Há a máscara guerreira encarregada da conquista e da defesa do território. Ela acompanha a máscara sagrada porque se trata de fazer a justiça em caso de perda. Por ocasião das festas ela é encarregada de supervisionar o comportamento de cada um para detectar os maus elementos. Há a máscara griot, que é companhia fiel da máscara sagrada. O griot é um cantor solitário. Ele louva a máscara sagrada. É também um espião, pois ele escuta, observa, e conta o que viu para a máscara sagrada. Ele influencia a máscara sagrada a ser mais clemente. Ele é também o cantor e historiador genealogista. Ele pode também dançar e é animador de todas as festas. Ele é indispensável para participar de acontecimentos como funerais. É um virtuoso da dança, pleno de vitalidade. Seguidamente é acompanhado do mascarado cantor. É enfim, o mascarado mediador:ele está presente em todos os níveis da hierarquia. Deve ser iniciado na arte da dança, do canto, da guerra. Ele distrai todo mundo com suas galanterias e seus ditos engraçados. Ele vai de casa em casa pedir alimentos. O portador da máscara deve ser sempre iniciado, sua identidade é sempre desconhecida, sua personalidade se desfaz completamente, pois ele é somente o suporte humano para que a máscara se torne acessível aos homens.
A máscara é um vetor essencial de reivindicação de uma identidade local, geralmente um benfeitor mítico da comunidade. Ele rege as coletividades, e completa uma função religiosa, política, econômica, histórica e terapêutica.

FUNÇÃO RELIGIOSA porque assegura a mediação entre deus, os ancestrais e os homens. Aparece nos ritos de passagem. É a protetora contra os espíritos maléficos. Muitas categorias de máscaras lutam ativamente contra a feitiçaria que é o principal agente de todos os males, das doenças e sofrimentos possíveis. O espírito associado ao mascarado possui a faculdade de detectar feiticeiros e os caçar. Essa função é dupla, pois vem acompanhada de uma ação punitiva, da erradicação do mal. Após a intervenção mascarada, os culpados caem doentes e podem morrer se não repararem suas faltas através de compensações, normalmente em forma de sacrifícios importantes. Em certos casos, o portador da máscara já é escolhido por sua capacidade de dupla visão e assim pode descobrir os agentes do mal. O espírito da máscara é utilizado para determinar a punição adequada.
- FUNÇÃO POLÍTICA porque a mascara garante a hierarquia social. Instância suprema para o regulamento de todos os problemas que podem vir a acontecer na comunidade. Ela faz respeitar a ordem e a justiça e intervêm em todas as decisões vitais. Como a máscara fala, ninguém pode contradizê-la. Suas decisões são inapeláveis. Os homens de poder (reis, chefes e outros dignatários) tem necessidade de garantir seu domínio e de o consolidar, por isso a ajuda das forças sobrenaturais é sempre bem vinda e nesse quadro as aparições dos mascarados correspondem a intervenção impressionante que os dirigentes tanto prezam.
Nada pode manter a população à distância dada à crença e o respeito que as populações tem pela máscara e o mascarado.

-
FUNÇÃO SOCIAL porque mantêm a harmonia da comunidade e assegura a perenidade do saber. Assegura os laços entre os ancestrais e os vivos e traz para a vila as bênçãos dos ancestrais. As máscaras assumem regularmente o papel de policiais locais e supervisionam, dão o alerta, julgam e punem os malfeitores. A vantagem dos mascarados é que ao aplicar as punições isso é feito dentro de um total anonimato para o mascarado. Também é necessário atentar para verificar possíveis abusos por parte do mascarado que deve sempre agir com total senso de justiça. Para isso, ele, o mascarado está sempre também sobre a vigilância dos dirigentes políticos.

FUNÇÃO CULTURAL E EDUCATIVA porque as máscaras são depositárias da cultura de uma etnia. Os homens se sucedem, os povos desaparecem, a sociedade evolui, mas a máscara permanece após sua criação até o término de suas muitas mutações. Ela é a memória que permanece e que conta a evolução do povo. As máscaras transmitem um saber, ensinamento de linhas de conduta, aconselha e influencia. Elas representam os modelos admiráveis a seguir e dos quais os homens devem se aproximar. Elas concentram a ética de uma sociedade, sublinham as coisas importantes dessa sociedade, a serem seguidas ou evitadas. Na sua utilização elas veiculam numerosas mensagens dirigidas a todos, ou ao contrário, a um público reservado.

FUNÇÃO DE INICIAÇÃO porque os segredos ligados a sua existência fazem parte dos ensinamentos ministrados aos jovens iniciados. As sociedades secretas, na maioria masculinos, chamam os mascarados no decurso de seus rituais específicos. Alguns deles compreendem numerosos graus de acesso e são regidos por ciclos iniciáticos. Tornam-se assim possuidores de conhecimentos esotéricos que permitem a manipulação e o controle dos não iniciados.



FUNÇÃO FUNERÁRIA porque a intervenção das máscaras tem sobretudo um papel purificador. A morte introduz uma forma de desequilíbrio na sociedade, e isso é como uma mancha que deve ser lavada. As máscaras procuram a alma do defunto para a conduzir ao reino dos espíritos a partir do qual ele poderá se transformar em força vital e beneficiar seus descendentes.
Estas obras satisfazem o senso estético, mas vão além do senso estético, pois fornecem a visão de infinito espiritual, a beleza ou o terror. A máscara pode ser eficaz no sentido positivo ou terrorífica, mas sempre sagrada. A forma estabelece não mais que um jogo de forças secretas, de energias vitais. O estudo estético dessas máscaras variadas revela um interesse pela abstração, pelo apuro das formas e pela sabedoria.
A tradição de portar máscaras remonta as noites dos tempos e nos encontramos traços delas nos afrescos Du Saara (na Líbia) que remontam a 15.000 anos. As primeiras máscaras eram máscaras de animais levadas ao alto da cabeça, e os chifres dos bovinos eram elementos essenciais. Os dançarinos e as dançarinas se penteavam e se escondiam sob plantas vegetais, escondendo pernas, braços e o busto. O importante era se comunicar com as energias vitais e sagradas que regiam o mundo e assim assegurar a fecundidade e a continuidade .

AS MÁSCARAS ANIMAIS se diversificaram a partir do reconhecimento do papel que o animal exerce junto ao homem. O homem reconheceu em certa época longínqua a anterioridade do animal sobre o homem. Diferentes animais desempenham papéis nos mitos criadores e nos ritos de adivinhação. É um pouco mais tarde que a função da máscara se diversifica, como signo de diferenciação numa sociedade de iniciação, como proteção da tribo e serve aos guerreiros que se revestem duma vestimenta carregada de substâncias mágicas e o rosto recoberto de uma máscara, ou como cura das doenças. Os chifres animais e as máscaras meio-homem, meio animal subsistiram por longo tempo e tem como papel estabelecer uma relação com as forças irracionais que são aquelas sagradas. Os ornamentos nas máscaras são revestidos de significados múltiplos: de dialogar com os acontecimentos, de assegurar a proteção da família, de acompanhar os rituais de iniciação, de participar das festas da semeadura e da colheita, de livrá-los da morte, das guerras e das doenças.


Na maior parte do continente africano, a máscara permanece ainda em nossos dias uma das expressões privilegiadas que tem dado lugar a uma impressionante variedade de formas , de materiais e de estilos. Entretanto, é necessário não dissociar a máscara africana do restante da roupa, pois sem a roupa ela perde o sentido geral da mensagem. A máscara africana não pode ser considerada em apenas sua dimensão estética e artística, mas também a sua funcionalidade no seio da sociedade que a criou e que a utiliza num conjunto de artes sagradas que asseguram seu equilíbrio, objeto de eterna procura. Muitas vezes, separada de seu conjunto de vestimentas, de seus enfeites, de seu penteado, dissociada de seus acessórios de dança que a acompanham e que se constitui num de seus elementos, a máscara incontestavelmente perde sua significação mais profunda.


A máscara é também maquiagem, pintura corporal, fibras, folhas, peles de animais, tecidos, penteados...todos elementos que constituem um conjunto onde ela se insere, onde cada parte tem também sua significação.

Os materiais de predileção da maioria das máscaras africanas é a madeira, apesar de existirem outras de outros materiais, como fibras vegetais, cabaças, couro, tecidos, às vezes contas, caramujos, metais, marfim, resina...a escolha desses materiais não é aleatória: eles são escolhidos e associados em função da sacralidade da máscara ou do simbolismo que ela exprime. O escultor criador de máscaras trabalha geralmente fora da vila; ele deve observar os interditos muito sérios, passar por vezes por purificações, porque ele deve ser isento de toda impureza para poder fazer seu trabalho bem. segundo as regras. A máscara, ela mesma, a cada utilização é repintada por ser uma máscara policrômica, e a pintura é que torna a máscara “viva”. Durante os períodos cerimoniais as máscaras são conservadas, cuidadas, servidas e mesmo “alimentadas”.

Os principais locais das máscaras são na África ocidental e na África central. As formas variam de acordo com as áreas culturais e as etnias. Quanto aos usos e funções elas correspondem ao ciclo anual dos ritos agrários ( semeadura, colheita) e ao ciclo da vida. No ciclo da vida, dois acontecimentos são considerados essenciais: a iniciação e a morte. Nas cerimônias de iniciação dos jovens, as máscaras participam em diferentes etapas. Somente os pertencentes aquela etnia podem presidir a circuncisão, intervir como mestres iniciadores, revelando aos profanos os conhecimentos necessários a sua formação técnica, moral e social. Nesta ocasião, a máscara é envergada pelos mestres da iniciação que então poderão passar aos jovens iniciados o segredo das máscaras. Materialização de seres sobrenaturais ou de ancestrais, símbolo do sagrado, as máscaras presidem geralmente o encerramento do período de luto.Elas intervêm também nos casos de calamidade ou ainda, em casos de litígio, como agentes de controle social. Em certas etnias, elas são o apanágio do poder do chefe.


SIMBOLISMO DE ALGUMAS CORES DAS MÁSCARAS AFRICANAS

O BRANCO: é uma cor de passagem, a passagem da morte ao renascimento, a mutação de um ser. É igualmente a cor de Deus (ligado aos ancestrais) representam a luminosidade, a inocência, a pureza e a retidão. Essa cor é fabricada a partir do kaolin ou de cal esfarelado (outras vezes podem ser de casca de caracol, de casca de ovos, excrementos de lagartas ou de cobras sacralizada). Em certas vilas do norte do Nvari-Kwilu o kaolin significa luto, e só serve para decorar os túmulos.
O PRETO: é uma cor negativa, pois representa a morte, o anatemizado, o mal, a feitiçaria e o anti-social. É fabricado com o carvão de madeira. Na costa do Marfim, são feitos de folhas queimadas. Trata-se de um valor complementar entre os Igbos.
O VERMELHO: o símbolo é ambivalente, pois representa o sangue, o fogo, o sol (e o calor) mas também a reintegração de um ser marginal, a fecundidade e o poder. O vermelho mais escuro representa as forças agressivas e o sangue impuro. É fabricado com a ajuda de substâncias minerais, sacrificiais (em sua origem, uma noz de cola mastigada)
O AMARELO: é um valor complementar entre os Igbo. Essa cor representa a paz, a serenidade, a fortuna, a fertilidade, a eternidade, mas também o declínio, o anúncio da morte.
O AZUL: é uma cor negativa que representa a frieza, mais paradoxalmente a pureza, o sonho e o repouso terrestre.
O VERDE: representa a crença, o nascimento, a virilidade.
O OCRE ESCURO: tem também um valor complementar entre os Igbo.
AS MÁSCARAS NAS SOCIEDADES AFRICANAS
http://www.wikio.fr/article/63320606
tradução livre do francês pelo Prof. Dr. Sérgio Paulo Adolfo


Os domínios de intervenção
A mascara não é, na realidade, esta figura esculpida que costumamos ver, ela é uma personagem, um ser que representa por sua vez, uma divindade e uma força da sociedade humana. No momento em que alguém a enverga, seu portador está investido dos atributos reconhecidos de certa força divina ou social.
A máscara resulta numa variedade de domínios de intervenção que atesta a variedade de suas funções. Podemos distinguir quatro domínios de intervenção.
Á máscara intervêm nas cerimônias de iniciação, nos ritos ligados ao nascimento e nas cerimônias funerárias; ela pode também dirigir os ritos de adoração. Nesse domínio estritamente religioso, as máscaras servem de proteção contra os espíritos maléficos e desempenham um papel de intermediários entre os deuses e os homens.
A máscara regula os litígios da paz e da Guerra e suas decisões são então irrevogáveis; no plano estritamente político as máscaras dão as diretrizes políticas aos responsáveis pelos destinos da comunidade; enfim asseguram a segurança das vilas e funcionam como policias das cidades. São ainda os mascarados que trocam informações em caso de necessidade.
A máscara desempenha um papel na vida econômica porque deve velar pelo bom desempenho das semeaduras e das colheitas, intervir para apaziguar os deuses no caso das calamidades naturais que poderiam prejudicar a vida agrícola e ameaçar a sobrevivência da comunidade.
As representações, as festas contam ainda com as máscaras para as danças, o canto e os desfiles mascarados.
Estes domínios de intervenção correspondem ainda a funções sociais importantes desempenhados pelos mascarados. Mas cada função pede um tipo de máscara apropriada e a hierarquia das funções corresponde a uma hierarquia das máscaras.
A função fundamental é de manter a ordem
A função mais fundamental é de manter a ordem. A máscara é encarregada de manter a ordem do mundo, das sociedades e das famílias. A máscara intervêm para regularizar a ordem cósmica, ameaçada pelos interditos contra as leis sociais e naturais.
Em face das calamidades naturais e das catástrofes humanas, as máscaras ordenam os sacrifícios para reparar os efeitos das transgressões que são a causa de todos esses males.
Elas devem também velar pela retidão dos modos sociais e manter os interditos que fundam a estrutura das famílias e das cidades.
Enfim as máscaras de sabedoria ou grandes máscaras decidem por derradeiro as causas que a justiça comum não consegue regular. Sua intervenção nos problemas da guerra ou da paz visa também preservar a ordem social.


Mas uma questão nos vem ao espírito: porque a necessidade de recorrer à máscara para assegurar a unidade social?

Para manter a ordem na sociedade e no mundo, os homens tem tido a necessidade da autoridade dos deuses, dos espíritos e dos ancestrais. As máscaras encarnam os depositários naturais e sobrenaturais de autoridade. Elas funcionam como os fundamentos da lei, fonte da ordem e da energia. Assim, a sacralização da autoridade através de sua investidura (da máscara) torna-se um meio de assegurar a legitimidade e a energia necessária.

As máscaras aparecem então, em última análise, como aparelhos ideológicos da sociedade tradicional africana que asseguram a conservação da ordem natural e a procura do equilíbrio e da luta contra a anarquia. Elas exprimem também a situação das sociedades que procuram não romper a continuidade primordial entre o mundo dos homens e o dos deuses, entre o natural e o sobrenatural.

terça-feira, 7 de julho de 2009

parecer de um outro pesquisador africano

Em África, a feitiçaria permanece uma realidade de todos os dias. Ela explica muitas coisas, as doenças, a morte, mas também os pequenos acontecimentos do cotidiano como resultado das influências nefastas.
Em áfrica, não se morre de micróbios. A doença é o resultado de uma disfunção social, ou seja , as doenças aparecem quando se transgride as regras da vida social. A morte é pois, conseqüência deste desvio. Para os africanos, a doença é o resultado de um conflito social entre as pessoas. O conflito provoca a frustração e as frustrações engedram a doença. (GASTON M’EMBA-NDOUMBA, 2006, PG. 5)

GASTON M’EMBA-NDOUMBA, Paris, L’Harmattan, 2006.
Tradução livre do Prof. Dr. Sérgio Paulo Adolfo

O PAPEL DO NGANGA NA ÁFRICA DE HOJE

Os nganga , médicos do corpo e do espírito


Verdadeiros especialistas do mundo invisível, os nganga ocupam um lugar considerável no universo kongo, muito além do domínio estritamente religioso. Hoje, ainda, após 500 anos de evangelização mais ou menos profunda, apesar da cristianização obrigatória do período colonial, e, sobretudo, do progresso da medicina moderna, as populações recorrem massivamente a seus serviços. Tanto os da zona rural quanto os da zona urbana, sem distinção do meio social, todo mundo se dirige um dia ou outro aos nganga. Porque sua missão principal, além de ser expert em filosofia, ciências médicas, naturais e sociais, é de tornar o mundo compreensível e de encontrar os remédios para as várias disfunções da sociedade.

Nsondé, Jean de Dieu. Parlons kikôngo. Paris, Harmattan, 1996.
Tradução livre do Prof. Dr. Sérgio Paulo Adolfo

quinta-feira, 2 de julho de 2009

O KIPASSI

O Kipaxi ou Kipassi, ou ainda Kimpasi ou Kimpasi KindemboEsta cerimônia das mais importantes entre o povo bakongo é realizada sempre que haja diminuição da natalidade ou aumente a esterilidade das mulheres, ou ainda ocorra excessiva mortalidade entre os membros do grupo. É uma cerimônia iniciática e, portanto de caráter religioso.Sempre que algum desses problemas se torne muito evidente, o chefe de aldeia começa a divulgar o acontecimento, não só na sua aldeia, mas também nas aldeias vizinhas, pertencentes à mesma Kanda . Em seguida, consulta-se o Nganga-Ngombo, o sacerdote adivinho, para saber a época mais propícia para tal realização. São admitidos no Kipassi jovens entre 12 e 18 anos, pertencentes a todas as famílias da aldeia, não sendo admitidas pessoas doentes, delinqüentes, adúlteros ou de má reputação. Toda a cerimônia ficará sob a direção e responsabilidade do Nganga-Kipassi que contará com várias pessoas de ambos os sexos para auxiliá-lo.Os ritos principais desse ritual iniciático eram os de simulação de morte-ressureição, ou morte/nkita. São sempre realizados em um local onde houver água e floresta e que outrora houvesse hospedado uma aldeia, de onde todos se mudaram e que atualmente sirva de cemitério para a comunidade. Entre a morte e a ressurreição acontecem várias cerimônias, sempre num regime alimentar de quase fome, momentos em que os iniciados aprendem o juramento da seita, juramento esse que deverá ser cumprido até o final da vida.O ato da ressurreição, primeira parte do rito, acontece sempre em noite de lua nova, e nessa ocasião os participantes mudam de nome e devem se transformar em pessoas diferentes daquela que eram antes do início da cerimônia, ou seja, antes da morte/nkita. Como conseqüência deve procurar esquecer toda a sua vida pregressa. A adoção de um novo nome é sempre parte fundamental da cerimônia, sendo que, a partir de então o iniciado usará somente o novo nome em qualquer circunstância.À ressurreição e a mudança de nome segue-se um lauto banquete, com muita comida e grandes quantidades de vinho de palma, recheados de cantigas e atos licenciosos, na exaltação dos órgãos sexuais masculinos e femininos e o ato sexual em si como necessário para a procriação.Há então uma segunda fase da iniciação, momento em que os candidatos aprendem os cânticos, as danças, a língua secreta. Adquirem hábitos de disciplina e são instruídos a nada contar aos não iniciados sobre o que acontece durante o Kipassi, a qualquer custo. Em alguns locais, o Kipassi também funciona como liturgia de iniciação de novos Ngangas, momento em que segundo o autor, os candidatos são pintados com argila branca, e o iniciador e sua ajudante cantam cânticos obscenos exaltando os órgãos sexuais masculino e feminino e seu poder de procriação. Nessas ocasiões celebram o Nkita, destacando em especial seu caráter gerador da potência procriativa e familiar.Como último ato antes da saída pública o Nganga Kipassi e seus auxiliares preparam os Minkissi individuais de cada iniciado, sendo o Nkissi constituído de duas partes: a primeira é um pequeno envoltório feito de ráfia que contém as cinzas de uma fogueira queimada durante o recolhimento e a segunda é um pequeno cesto com argila branca do rio, tacula, cinza e outros elementos que o autor não especifica, tudo regado com o sangue de um galo.Finalmente, o dia da saída, o término da iniciação, é um dia de grandes festas. Os candidatos untados de pó de takula e de óleo de palma dirigem-se em fila para o centro do mercado, sob o som de cânticos e tambores. O iniciador do Nganga-kissapi e seus auxiliares cantam ao som de tambores entre a enorme multidão reunida no mercado para tal ocasião.Os iniciados em fila, não reconhecem ninguém e resmungam palavras inteligíveis, em voz de falsete, cantando musicas aprendidas durante a iniciação e tiram das casas e das bancas do mercado o que lhes apetece e ninguém deve ou pode impedi-los.“A instituição do Kipassi tinha como finalidade principal obter dos antepassados a transmissão de suas forças procriadoras a fim de aumentar a natalidade e, portanto, o ngambo-bantu, isto é, a riqueza em homens” (MARTINS: 1958 p.71-72)Nesta descrição de Manuel Alfredo de Morais Martins (MARTINS: 1958) complementada por Luc de Heusch ( HEUSCH: 2000) sobre os bakongos de Angola podemos evidenciar alguns pontos importantes para a melhor compreensão do moderno candomblé de congo-angola. Um deles é o caráter iniciático dessa cerimônia o Kipassi ou Kipaxi. Há o recolhimento, os atos sob o som de tambores e cânticos específicos, a presença de um sacerdote especializado, a adivinhação praticada por um outro sacerdote, as pinturas rituais de lama branca e tacúla, a apresentação dos iniciados no mercado público, a maneira como os mesmos se apresentam, em forma de crianças – muito parecido com o nosso kafioto – a troca de nomes – dijina – a liberdade com que os iniciados se apoderam das coisas no mercado sem poderem ser repreendidos, tudo isso é muito parecido com a chamada feitura de santo nas casas Congo-Angola. Encontramos nessa descrição, o jogo para saber o santo do iniciado, as pinturas a que é submetido o muzenza, as várias saídas, a quitanda do muzenza etc, etc. O autor não especifica a raspagem de cabeça, mas como na cerimônia do Mbingo, vista pouco atrás, é possível que ela também aconteça no Kipassi. Outro dado interessante que merece estudo mais aprofundado é o nome do Kipassi, porque em alguns lugares, segundo o autor, ele é chamado de Kipassi Kindembo. Ora, sabemos que Kindembo é considerado o Rei de Angola, nas casas de Congo-Angola. Viria daí a realeza de Kindembo, uma vez, que na região dos bakongos essa cerimônia, o Kipassi, é fundamental para o crescimento e manutenção da população e conseqüentemente da força vital dos homens e mulheres, e que cerimônia de tal envergadura tenha Kimdembo como patrono, uma vez que leva seu nome. Isso explicaria a razão de Kimdenbo ser considerado o Rei da nação aqui no Brasil? É também preciso atentar para a figura do Nkita, presente ainda em algumas casas mais tradicionais do complexo Congo-Angola, mas já esquecido em outras. Seria o Nkita, a quem a cerimônia do Kipassi é dedicada essa figura infantil que aparece nos candomblés de Congo-Angola, arteiro, malcriado, maledicente, mas necessário no período de iniciação do Muzenza? Numa reflexão mais profunda, seria o Nkita um espírito infantil ou um espírito de um homem pequeno, de um anão, um pigmeu, o que explicaria certas atitudes tomadas pelos espíritos infantis que dominam a cena em certas ocasiões nas casas de candomblé bantu. O Nkita existe em África e no Brasil, mas aqui um pouco esquecido pelas dificuldades que seu culto apresenta, segundo os mais antigos, mas não estaria ele sendo cultuado na forma de espíritos infantis que gosta de bolo, refrigerante e outras guloseimas?Toda a cerimônia do Kipassi é elaborada em função do Nkita, que segundo Padre Martins (MARTINS S/D) é um espírito que vem até os homens para puni-los por faltas cometidas contra a tradição e a família, mas também vem para distribuir benesses.Luc de Heusch (2000) descreve uma série de cerimônias na área cultural dos bakongos e todas elas envolvem o transe mediúnico, ou seja, a tomada de um Nkissi do corpo de uma pessoa. Em uma deles, o autor nos informa que entre os Mpangu Ntandu, grupo étnico do Congo setentrional, há quatro Minkissi especializados em provocar desordens mentais principalmente em mulheres jovens. São eles, o Nkita Malari, o Mvumbi Masa, Kivunda e Nkweti, provocando inicialmente crises convulsivas nos pacientes. Segundo o autor, os dois primeiros, o Nkita Malari e o Mvumbi só atacam as mulheres e que os outros dois não escolhem sexo. Esses Minkissi após terem acometido seus pacientes de desordens mentais e estes, depois de devidamente tratados pelo Nganga, tornam-se médiuns dessas divindades e passam também a atender outros pacientes com o mesmo mal. O tratamento consiste em recolher o paciente por dois ou três meses numa cabana previamente preparada para isso, o paciente é pintado de tacula e lama do rio. Como energia ele recebe a força de um Nkissi já devidamente preparado e ao final desse tempo o paciente terá também seu Nkissi preparado pelo Nganga.É interessante perceber nestas descrições o papel exercido pelo Nkissi e o lugar especial de que goza o transe entre as pessoas. São mais alguns elementos que vêm reforçar o caráter de procedência do candomblé de congo-angola.
Benin

Mensagens: 83
Data de registro: Qui 01 Mai,2008 14:23 pm
· Mensagem Privada
· MSNM/WLM

SIMBI, NKITA E NKISSI – DIVINDADES CULTUADAS NO UNIVERSO CULTURAL BAKONGO.

SIMBI, NKITA E NKISSI – DIVINDADES CULTUADAS NO UNIVERSO CULTURAL BAKONGO.



Segundo Luc de Heusch em seu livro Le Roi de Kongo et les monstres sacrés (HEUSCH: 2000) os habitantes do Congo, principalmente aqueles que faziam parte do antigo reino do Congo, cultuam as divindades Simbi, Nkita e Nkissi, dependendo do grupo étnico, de diversas maneiras, sendo um pouco diferente a concepção de cada povo em relação as mesmas divindades. Pretendemos nesse artigo, baseados nesse autor, trazer algumas contribuições sobre o assunto, tentando elucidar, através dessas informações, algumas práticas do candomblé de Congo-angola do Brasil.
De acordo com as informações de que dispomos, a classe de espírito mais conhecida e louvada pelos adeptos dos cultos afro-brasileiros de feição bantu são os Minkissi,(sing. Nkissi) registrados em primeira mão por Edison Carneiro, em 1938,(CARNEIRO:1982) num livro chamado Candomblés da Bahia. Também, pelas observações que temos efetuado, o Nkissi é largamente cultuado, em que pese em algumas casas mais sincretizadas com o rito nagô serem denominados e confundidos com os orixás nagô, decorrência do sincretismo com aqueles. No entanto, qualquer angoleiro, por mais milongado[1] que seja, conhece perfeitamente o termo Nkissi e será capaz de falar dele com certa desenvoltura. Modernamente temos percebido o uso dos termos Akixi e Mukixi, para designar essas divindades, o que se dá por influência de algumas leituras, feita por parte de angoleiros mais letrados, e que, no entanto, não corresponde ao conhecimento da massa de fiéis. Para esses, os angoleiros estribados apenas na tradição oral, existem os Minkissi, conhecimento que receberam através dos ensinamentos orais transmitidos pelos mais velhos como é de praxe nessa modalidade religiosa e continuam usando o termo Nkissi para nomear os deuses cultuados em seus templos. O Nkissi é o único que está presente nas rezas, cantigas e na conversa do cotidiano das casas-de-santo de congo-angola.
Quanto ao Simbi, apesar de desconhecido da maioria dos angoleiros, de maneira formal, a palavra Simbi aparece em inúmeras cantigas, afora existir um Nkissi por nome Kissimbi, um Nkissi aquático, que também vamos encontrar nos registros de Edison Carneiro e de Luc de Heusch. O Nkita, por sua vez, não aparece nas cantigas, nem nas rezas e louvações, e a única informação mais concreta sobre a sua existência entre nós foi-nos dada por Tatá Tawá, que afirma que o mesmo é cultuado no Bate-Folha de Salvador-Ba., num culto de grande mistério e de maior fundamento ainda, a que só os iniciados da casa, e nem todos, teriam acesso a esse conhecimento e a essa prática litúrgica.
No entanto, segundo Luc de Heusch, baseado em outros autores, afirma que os espíritos Simbi e os espíritos Nkita são conhecidos e cultuados em todo o mundo cultural congo, com apenas duas exceções, conforme tabelas abaixo. Nossa investigação procura compreender porque o Nkita, tão conhecido e cultuado no mundo congo não atravessou o atlântico, ou se isso aconteceu, e ele foi esquecido pelos afro-bantu já em solo brasileiro.
O simbi, apesar de não ter culto específico como tem o Nkissi, está presente em algumas cantigas, e, apesar do desconhecimento dos angoleiros a respeito do mesmo, ele não se encontra ausente de todo do universo do candomblé angola-congo.
Vejamos, num primeiro levantamento, que povos os cultuam na África congolesa e qual a natureza e funcionalidade desses espíritos. Como dissemos acima, um desses espíritos, Kissimbe, é cultuado no Brasil como uma entidade aquática e é do sexo feminino. Não há outros Minkissi com esse nome ou um nome semelhante. Mas o espírito Kissimbe é encontrado entre os Villi povo habitante do nordeste de Cabinda. Também entre os Mpangu-Ntandu, ele, o Kissimbe, é quem preside a cerimônia iniciática do Kimpasi.
Vejamos como cada povo, listado por Heusch, define a natureza dos espíritos Nkita e Simba.

Congo meridional – justapõe Nkita e Simbi
Nkita -espírito aquático
Simbi – espírito terrestre
Para os povos do congo meridional, o Nkita é um espírito aquático enquanto o Simbi é um espírito terrestre. O primeiro é sempre um espírito benevolente, ao passo que o Nkita é um espírito vingativo e às vezes cruel.

Mpangu-Ntandu
Nkita- os que morreram de morte violenta
Nkita – são as pedras encontradas na água
Simbi – desconhecido desse grupo.
Os Mapngu-Ntandu desconhecem os Simbi e para eles os Nkita são os antepassados que morreram de morte violenta. São representados pelas pedras dos rios, que são retiradas por pessoas em transe com os próprios Nkita. Para esse grupo, o Nkita não é portanto um espírito da natureza e sim o espírito de alguém que já teve vida terrena e morreu de morte não natural.

Ndibu
Simbi –são os mortos que morreram de morte violenta
Nkita – são emanações dos simbi e são representados pelas pedras encontradas na água do rio.
Para os Ndibu, contrariamente ao Mpangu-Ntandu, os espíritos simbi sim é que são os mortos por causas não naturais, enquanto os Nkita são espíritos menores, ou seja, emanações dos Simbi. Entre estes também, a representação dos Nkita são as pedras encontradas nos leitos dos rios e que são retiradas pelas pessoas em transe com os espíritos Nkita.

Mbata –
Nkita – são emanações dos simbi e tal como entre os Ndibu são representados pelas pedras encontradas na água do rio.
Para os Mbata, os Nkita são emanações dos simbi tal como entre os Ndibu, são também representados pelas pedras do rio. Além disso, os Nkita aquáticos são usados para tratar de doenças congênitas, inclusive de partos.
Para os do Congo meridional, Mpangu-Ntandu, Ndibu, Mbata, todos os Nkita capturados na água em forma de pedras, descendem dos gênios protetores das linhagens, enquanto os Simbi só exercem sua ação benevolente nas regiões onde permanecem. Poderíamos dizer que os Nkita são espíritos de linhagem enquanto os simbi seriam espíritos locais.

Yombe (pl. Baiombe)
Simbi – são criaturas aquáticas benevolentes
Nkita – são criaturas terrestres agressivas
Nkissi nsi – são os gênios da terra
Entre os Yombe, os Nkita provocam a paralisia das pernas, enquanto os simbi tratam das moléstias das pernas (sempre são figuras protetoras)

O Nganga Mbenza – sacerdote de Nkitas os usa para tratar de doenças não de origem de nascimento
Os nkita vivem nos cascalhos sob o solo, e os Simbi vivem nas fontes e rios.


Mboma
Nkita – desconhecidos


Woyo (pl. Bauoio)
Cultuam os Nkissi como os gênios protetores, tanto da floresta como das águas.
Os Nkitas são desconhecidos desse grupo e os Simbi – são as crianças ou enviados dos grandes espíritos Bakisi ba si – Gênios locais habitantes das águas- e são também responsáveis pelos nascimentos anormais como os anões, crianças doentes, albinos ou crianças que nascem com o cordão umbilical enrolado no pescoço. Os gêmeos são considerados a encarnação dos simbis, que se comunicam com eles durante os sonhos.

Villi (pl. Bavili)

Cultuam os Nkissi e desconhecem os simbi e os Nkita. No entanto, cultuam o Kissimbi, o espírito que preside o Kimpasi entre os Mpangu-Ntandu., e entre eles, os Villi, o Kissimbe é um espírito das águas.

Teke ou tio (pl. Bakoki)

Cultuam os Nkita que chamam de Nkira, que são espíritos da natureza responsáveis pela fertilidade. Cada aldeia possui seu Nkira benfazejo cujo sacerdote é o chefe da aldeia local. Mas também há dois outros sacerdotes, o primeiro encarregado das preces ao Nkira e outro encarregado dos sacrifícios. O primeiro, mora próximo do local onde o Nkira permanece, próximo a um rio ou a floresta, enquanto o outro mora no santuário do Nkira, normalmente em frente a casa do chefe da aldeia.



Kukuya Congo Brazzaaville – mesmo grupo lingüístico dos Tio

Cultuam os Nkita (Nkira) que são espíritos aquáticos e estes possuem poderes terapêuticos.

Tabela 1
POVOS
NKITA
SIMBI
NKISSI
Congo meridional
Aquático
Terrestre
Desconhecido
Mpangu-ntandu
Aquático
Terrestre
Desconhecido
Ndibu
Aquático
Terrestre
Desconhecido
Mbata
Aquático
Aquático
Desconhecido
Yombe
Terrestre
Aquático
Espíritos da terra
Mboma
Desconhecido
Aquático
Desconhecido
Woyo
Desconhecido
Aquático
Espíritos da terra
Villi
Desconhecido
Desconhecido
Espíritos da terra
Teke/Tio
Espíritos da terra
Desconhecido
Desconhecido
Kukuia aquático Desconhecido Desconhecido

Tabela 2

POVOS QUE CULTUAM MINKISSI NA CONDIÇÃO DE ESPÍRITOS CTÔNICOS

Yombe
Terrestre
Aquático
Espírito da terra
Woyo
Desconhecido
Aquático
Espírito da terra
Villi
Desconhecido
Desconhecido
Espírito da terra


Como podemos perceber, de acordo com Heusch, apenas três povos cultuam os Minkissi, sinal claro de que o Candomblé de Congo-Angola do Brasil foi fundado por pessoas oriundas dessas etnias. Esses três povos formavam outrora os reinos de Loango, N’Goio e Kakondo, tributários do antigo Reino do Congo, e que hoje, formam o enclave de Cabinda, pertencente ao país de Angola.
Apesar dessa afirmação de Heusch, o Pe. Martins em seu livro sobre os povos de Cabinda nos informa que:

“3. Em certos ritos, festas e observâncias, onde o culto se dirige directamente ao “delegado” do Nkisi Nsi: os Nkita, Kimpasi, Mbumba Luando, sendo estes, por sua vez, dependentes do Nkisi Nsi e a ele consagrados.
Os Nkita eram bem conhecidos de todos os clãs.
Os Nkita castigavam aparecendo e partindo curavam.” (MARTINS:pg. 16 s/d)

Estas informações do Pe. Martins contradizem as de Heusch, pois para o segundo, como vimos, apenas os Baiombe, entre os povos de Cabinda, conhecem o Nkita, como um espírito terrestre. No entanto, Pe. Martins afirma com todas as letras que, os Nkita eram conhecidos de todos os clãs que habitavam o país de Cabinda.
Pe. Martins delimita o país de Cabinda, habitado pelos seguintes grupos étnicos: Bauoio, Bakongo, Basundi, Balinge, Bavilli, Baiombe, Bakoki e outros que ele não nomeia.
Para os Bauoio (Woio, sing.) os simbi exercem um papel subalterno, pois são como crianças enviadas dos grandes espíritos da terra, os bakissi ba si. Pensamos estar aí o princípio do fio da meada para entendermos os nossos espíritos infantis, os kafiotos ou monandengues que são confundidos com os erês da nação ketu.

(...)Meme situation chez les Woyo qui ignorant les nkita. En outre, ceux-ci n’accordent aux simbi qu’un rang subalterne: ils sont les enfants ou les envoyés des grands esprits chtoniens bakisi ba si, qui seuls sont l’objet d’un cult régulier (Mulinda, 2985, p. 150 et 331) (Heusch:2000)[2]

Um ponto em comum, destacado pelo autor de Les Rois de Kongo é que todos esses espíritos chegam até os homens através do transe e da revelação em sonhos. Também a forma de cultuá-los é muito semelhante entre estes povos, seja em relação ao Simbi, ao Nkita ou ao Nkissi. O elemento principal de sua representação é uma pedra, retirada do leito de um rio, por pessoas em transe com o espírito. Essa pedra é, quase sempre, colocada num cesto, acompanhada de pemba, argila vermelha, pó de tacula e outras especiarias, tudo regado a vinho de palma.
As qualidades e funções desses espíritos, quase sempre protetores, varia de povo para povo como vimos, sendo que entre alguns o Nkita é sempre agressivo, enquanto que para outros a agressividade cabe ao Simbi. Quanto à natureza intrínseca deles, para uns o Simbi é aquático e o Nkita terrestre ou vice-versa. Apenas para os três povos de Cabinda, cultuadores do Nkissi é que este sempre, com exceção do Nkondi e do Nkossi, que são por sua vez, utilizados pelos Bandoki, no intuito de feitiçaria, todos os demais Minkissi tem o poder benevolente de curar, trazer prosperidade, colheitas fartas e chuvas benfazejas. Os Nkita, os Simbi e os NKissi fazem parte do cotidiano desses povos e os ajudam a vencer as batalhas do dia-a-dia.

O nkita no Brasil

Como dissemos anteriormente, diferentemente de Cuba, onde nas tradições do Palo Congo o Nkita é reconhecido e cultuado (ver referência) ou no Haiti com seu culto ao Simbi, no Brasil apenas o Nkissi é cultuado nos candomblés de congo-angola, sendo a única referência ao Nkita aquela informação dada por Tatá Tawá que é membro da prestigiosa e tradicional casa do Bate-Folha, sediada em Salvador-Ba. O simbi aparece em algumas cantigas, mas nem sempre é notado pela maioria dos fiéis que os confunde com Kissimbe, um importante nkissi das águas doces.
No entanto, Luc de Heusch nos chama atenção para o fato de que um elemento comum entre esses povos da área lingüística do congo é o transe. No kimpasi, a grande cerimônia de iniciação entre os bakongo, o transe acontece com a tomada do neófito por um espírito Nkita. Também o autor nos adianta que os simbi e os nkitas são considerados por alguns povos como espíritos subalternos, mensageiros dos espíritos ctnônicos, os Nkisi basi.
Entre os paleiros[3] cubanos há uma concordância que os nkita e simbi sejam espíritos da natureza e os Minkissi seriam forças ctônicas semelhantes aos orixás nagôs e aos voduns gege. No Brasil, essa informação não é muito clara entre o povo-de-santo angoleiro, pois como vimos os simbis e nkitas não são cultuados diretamente.
Sendo o assunto ainda inconcluso, porque demanda novas investigações, diríamos que para os povos da área bakongo, há três classes de espíritos, a saber:

1) Os Minkissi, que são as grandes forças ctônicas, formadoras do universo;
2) Os espíritos elementais da natureza, como os simbi e os nkita, sendo os primeiros espíritos aquáticos e os segundos espíritos terrestres;
3) Os espíritos dos antepassados, tanto os bons (os bakulu) quanto os maus, (os matebo ou nkuyu).
No entanto, é necessário atentar que os bakongos são compostos de vários povos com concepções religiosas nem sempre coincidentes, pois como vimos, se todos são acordes que os simbi e os nkita são espíritos da natureza, nem sempre são acordes quanto se são aquáticos ou terrestres ou se são bons ou maus. Para nós, em nossa linha de investigação temos nos concentrado nos povos que hoje compõe a província de Cambinda – sobretudo aqueles pertencentes ao outrora reinos de Loango, Kakondo e N’Goyo, porque estes apresentam traços similares a religiosidade praticada no Brasil pelo povo-de-santo angoleiro. Inclusive em Cambinda, vamos encontrar a associação dos mascarados ndunga, e da instituição do Mbingo, de que já tivemos oportunidade de comentarmos em outro trabalho.





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Carneiro Edison. .Candomblés da Bahia. São Paulo: Editora Tecnoprint, 1982.

Heusch de Luc. Le Roi de Kongo e les monstres sacrés. Paris: Gallimard, 2000.
Lopes, Nei. Dicionário Banto do Brasil Rio do Janeiro:Prefeitura da cidade do Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, s/d
Martins, Joaquim. Cabindas – história – crenças – usos e costumes.www.cabinda.net





[1] Termo usado pelos candonblecistas da vertente congo-angola para designar aqueles templos muito misturados com ritos de outras nações.
[2] Mesma situação entre os Woyo que desconhecem os Nkita. Por outra, eles atribuem aos Simbi um traço subalterno: eles são as crianças ou os enviados dos grandes espíritos chitonianos bakisi ba si que são o objeto deles de um culto regular. (tradução minha)
[3] Palo Monte ou Palo Mayombe são os cultos de possessão bantu em Cuba. Essas formas religiosas se reconhecem como de origem congolesa.

sexta-feira, 6 de março de 2009

A QUEM INTERESSA O RESGATE?


Faz alguns anos que os angoleiros acordaram de um longo sono a respeito da sua própria identidade. Começaram a questionar se o que faziam era mesmo um culto bantu, vindo em parte de África e retrabalhado em contato com a realidade do novo mundo, ou se o que faziam era uma mera cópia do modelo Ketu. Além disso, a academia e os livros publicados todos se referenciavam ao modelo ketu passando ao largo das especificidades bantu. O candomblé de congo-angola sempre foi considerado pelas demais nações como alguma coisa menor, uma umbanda melhorada ou quando muito uma cópia do modelo ketu.
Isso tudo porque? Porque os angoleiros sempre trataram suas divindades como se fossem orixás do ketu, sempre paramentaram seus Minkissi como se paramentam os orixás e além de tudo cantam cantigas em português, em ketu e até em Jeje, deixando de lado as verdadeiras raízes bantu.
Qual a verdadeira natureza do resgate que alguns zeladores têm empreendido? Resgatar, significa salvar algo que se perdeu. E o que se perdeu ao longo do tempo no Candomblé de Congo-angola? Perdeu-se, a meu ver, muito da linguagem ritual, substituída pela língua ioruba (língua ritual do ketu), perdeu-se a lembrança de muitos Minkissi, perderam-se alguns ritos e é necessário recuperar isso tudo, apesar da relutância de muitos, que são contra a qualquer tentativa de resgate.
O argumento mais forte dos que são contra é que nossos fundadores assim deixaram e que mudar agora é um desrespeito a memória deles. E aí eu pergunto? Eles deixaram assim, ou as coisas foram sofrendo a inexorável ação do tempo e acabaram ficando assim?
Outro argumento, esse sim, totalmente falacioso, é que o Candomblé surgiu a partir de uma reunião entre os líderes negros da época e que nesse momento, decidiram-se as regras do candomblé. Esse argumento é risível, uma vez que nenhum religião se forma a partir de reuniões ou convenções. E desafio a quem quer que seja que me prove com fatos, argumentos ou documentação se esse fato aconteceu ou se é fruto da imaginação de alguns sonhadores. Sabemos, e os historiadores têm trabalhado isso, que a formação dos candomblés, ketu, jeje e angola, deu-se num lento processo, no correr do século XIX e começos do século XX. Falar de reuniões e convenções é, no mínimo, faltar com a verdade histórica.Mas o resgate está aí. É um movimento sem volta e quem não nele se inserir, e esse é um direito de todos, com certeza não deixará herdeiros porque as novas gerações estão ávidas por conhecer verdadeiramente o Candomblé de Congo-Angola em sua essência bantu e não um candomblé que se diz angola mas acaba sendo um simulacro do candomblé de Ketu

quinta-feira, 5 de março de 2009

Caros amigos, pesquisadores e religiosos

A intenção desse blog é que o mesmo funcione como um espaço de informação e discussão a respeito da cultura afro-bantu e afro-bantu-brasileira. Nenhum artigo aqui postado tem a intenção de ser a última palavra no assunto. Novas pesquisas poderão surgir a partir dos temas aqui postados para enriquecimento de nossa cultura.
As pesquisas aqui postadas não sairam da minha cabeça. Estão todas referenciadas como manda as normas da ABNT e poderão ser conferidas a qualquer momento. Invencionices e suposições não encontrarão lugar nessa página, pois sou pesquisador acadêmico e conheço as normas de pesquisa, além é claro de um seguidor, feito no santo faz muitos anos.
Alguns detratores, figuras conhecidas e carimbadas, porque se expõe continuamente nas páginas da Web, andam por aí tentanto denegrir nosso trabalho. Peço que confiram as pesquisas deles, seus argumentos e ponderem. Nosso intuito é apenas um: fornecer aos pesquisadores e angoleiros algumas pistas sobre nossa própria cultura, a gloriosa cultura bantu.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

ORIGEM E HISTÓRICO DOS CANDOMBLÉS DE CONGO-ANGOLA


A história do candomblé[1] de congo-angola no Brasil está amparada quase que só na oralidade do Povo-de-santo angoleiro e seus registros escritos bibliográficos expressivos são muito escassos. Os poucos registros existentes são de Edison Carneiro, dignos de crédito, é verdade, mas em alguns momentos extremamente confusos e pouco esclarecedores. Em Religiões Negras – Negros Bantos, editado pela primeira vez em 1937 ele usa a terminologia reducionista “candomblé de caboclo” para referir-se aos candomblés bantu. Explica o autor que, os candomblés de caboclo eram uma mistura de práticas nagôs, ameríndias e de catolicismo. Ainda segundo ele, os bantu não tinham mitologia nem deuses suficientes para seu culto e por isso apoderaram-se dos orixás nagôs, das figuras de índios e da mitologia indígena, isso tudo sincretizado com o catolicismo popular. Pouco mais adiante, no entanto, ele diz que o único candomblé bantu, de nação Congo existente era o Terreiro de Santa Bárbara, de Manuel Bernardino da Paixão. O que podemos inferir dessa aparente confusão é que o autor, naquele momento, ainda não dispunha de conceitos muito claros a respeito dos candomblés que não se pautavam pelo modelo nagô. Páginas adiante ele reproduz interessante relato do Babalawô Martiniano do Bonfim, que, segundo Martiniano, o primeiro candomblé de caboclo, leia-se bantu, foi o de Naninha, uma senhora mulata, que dirigia seu candomblé no Moinho da antiga roça do Gantois que desapareceu com sua morte. O segundo candomblé de Caboclo, segundo Martiniano foi o de Silvana, que tocava sua roça num local chamado Periperí o que leva Edison Carneiro a concluir com a seguinte afirmação: “Daí, desses dois “terreiros” de caboclo, nasceram todos os candomblés que estamos estudando” (CARNEIRO: 1991, p.135). E notem que o autor estava estudando os candomblés de origem bantu de então, e, continua informando que, ainda segundo Martiniano, os negros angolas costumavam usar tambores grandes, maiores que os dos nagôs e que os tocavam deitados entre suas pernas. Acrescenta ainda, que o velho Babalawô Martiniano recordava-se da seriedade com que o Pai-de-santo Gregório Maqüende dirigia as festas de seu candomblé de nação Congo. Por essas afirmações podemos concluir dessas páginas de Edison Carneiro, que os candomblés de feição bantu, existem na Bahia desde os finais do século XIX, e que, desde seus primórdios cultuavam os caboclos, por isso eram chamados de candomblés de caboclo. É possível que a natureza do candomblé bantu, dada sua mítica, já nasceu cultuando caboclo. É também necessário atentarmos para o fato de que Martiniano do Bonfim foi auxiliar de Nina Rodrigues e que este trabalhou como informante em suas pesquisas nas duas últimas décadas do século XIX e que Martiniano era figura conhecida e circulada nos meios africanos em Salvador. Se o Babalawô se recorda de dois candomblés de caboclo (sic) famosos no final do século XIX é sinal que os Bantu já tinham culto organizado desde então, mas que não foram notados por Nina Rodrigues nem por Manuel Querino[2]. Verdade é que, o único nome conhecido que ele cita é o de Gregório Maqüende, citado no pretérito, portanto, dado já como desaparecido e comparado a Bernardino da Paixão, por sua seriedade na condução de sua casa. Não podemos nos esquecer que Bernardino foi contemporâneo de Edison Carneiro e com ele estabeleceu relações de quase amizade. Em obra posterior, (CARNEIRO: 1982) veremos aparecer os nomes de Ciriáco e Maria Neném não como fundadores e sim como Zeladores de renome, ao lado de Mariquinha Lembá juntamente com o terreiro do Calabetã. Em alguns momentos, Carneiro reconhece a existência de candomblés bantu, em outros engloba todos os candomblés não nagôs no rol dos candomblés de caboclo. Igualmente, não temos encontrado outras referências à fundação ou início dos candomblés bantu na Bahia, a não ser relativo ao funcionamento e fechamento dos famosos Calundus pelo Brasil a fora durante o período colonial, o que não nos autoriza a concluir que os candomblés bantu como os conhecemos tenha sido uma continuação dos Calundus. Ainda nessa linha de raciocínio, encontramos Ruth Landes, que esteve na Bahia no ano de 1936 e em seu livro Cidade das Mulheres, narra a entrevista que fez com Mãe Sabina, famosa, na época, e que era mãe de um candomblé de caboclo, e por isso vivamente censurada pelo povo-de-santo em razão de suas práticas e posturas inovadoras e tampouco era reconhecida pelas Sacerdotisas nagôs. Sabina era continuadora de outra Mãe de Santo, por nome Theodora, essa sim respeitada até por Mãe Menininha, que era um ícone do candomblé de então. Por aí podemos deduzir que os candomblés de caboclo, ou seja, que não eram bantu, mas que cultuavam os orixás caboclizados eram diferentes dos candomblés bantu, diferença essa não percebida claramente por Edison Carneiro. E que, os candomblés legitimamente de caboclos que tinham a frente Sabina e Theodora estavam em sua fase inicial der formação naquele momento, década de 30 do século XX, posteriores, portanto, aos candomblés de Naninha e Silvana apontados por Martiniano. Ainda no já citado Religiões Negras – Negros Bantos, de Carneiro, (1991) o autor nos relata um encontro que teve com o Pai-de-Santo Jubiabá, pai de iniciação de Joãozinho da Goméia, e diz lá claramente que Jubiabá era um Sacerdote de Candomblé de Caboclo o que nos leva a pensar que talvez Jubiabá fosse um sacerdote de Candomblé bantu como sempre afirmou Tata Londirá. Nesse mesmo livro, Carneiro registra algumas cantigas coletadas em candomblés de Caboclo, sendo algumas em português, inclusive conhecidas nossas por as termos ouvido em casas de angola milongada. Outras em Kikongo/kimbundo entoadas até hoje nas casas tradicionais o que é um dado a mais na nossa tese de que Carneiro confundiu candomblé de caboclo com candomblé bantu. Se Silvana e Theodora causavam tanto mal estar nos meios candomblecistas é porque praticavam um culto novo que feria a ortodoxia dos candomblés nagôs, ou seja, não era algo já concretizado e cimentado, mas alguma coisa inovadora e causadora de espanto e mal estar. Por todas essas evidências, podemos concluir que o que Edison Carneiro chama de candomblé de caboclo era na verdade candomblé bantu. E ele próprio afirma através da fala de Martiniano do Bonfim que eles, os candomblés de caboclo (sic) existiam desde o século XIX, permanecendo ainda muito vivo nas lembranças de Martiniano as figuras de Naninha e Silvana, antigas sacerdotisas de candomblé bantu. Martiniano, no mesmo texto, também pontua a maneira dos angolanos tocarem seus atabaques, que eram bem maiores que os atuais (deles) usados pelos nagôs e inclusive à maneira de executá-los. Todos esses elementos nos conduzem a concluir que os candomblés bantu foram criados muito antes da Matriarca Maria Neném, que eles já existiam na Bahia concomitantemente aos candomblés de outras nações e que a importância de Maria Neném, chamada de “A Mãe do Angola” está no fato de que de suas mãos tiveram origem duas raízes importantes do candomblé Bantu, no Brasil, o Bate-Folha e o Tumba Junçara, criadas a partir das ações de Bernardino da Paixão e Manuel Ciriáco e que não sem razão ela, Maria Neném, é figura viva na memória do Povo-de-Santo angoleiro e, por isso, recebeu este merecido epíteto.
[1] Segundo Nei Lopes: (3) Comunidade terreiro onde se realizam essas festas. De origem banta mas de étimo controverso. Para A.G. Cunha é híbrido de Candombe mais o yorubá Ilê, casa. Nascentes dá apenas origem africana. Raymundo dá kA+ndombe, com apêntese de l. E Yeda P. de Castro aponta longa evolução, a partir do protobanto.
[2] Manuel Querino, pesquisador auto-didata que viveu na Bahia , nasceu em 28 de julho de 1851, na cidade de Santo Amaro da Purificação. Escreveu entre outros livros e artigos para revistas, o célebre A raça africana e os seus costumes na Bahia, publicado pela primeira vez em 1938.