sábado, 14 de novembro de 2009

O nkutu do condado de Soyo

Extraído de http://www.abbol.com/bookbank/books/aequatoria%201961.pdf
Tradução livre do Prof. Dr. Sérgio Paulo Adolfo


eJè&c\ucitorici
N° 2 24e Année, 1961
O nkutu do condado de Soyo

Entre os objetos sagrados, as insígnias do poder, bi-bialulu destinados a investidura do Manin Kongo, figura uma bolsa, nkutu. Uma bolsa idêntica pertence ao condado de Soyo, Nkukulu a Soyo.

1 – Natureza do nkutu

O nkutu é antes de tudo o atributo do caçador. É uma bolsa de fibras de ráfia ou de ananás, de fundo arredondado, com uma alça para se levar ao ombro; o aspecto é aquele de uma bolsa usada para transportar mercadorias em uma viagem. O caçador a usa para transportar tudo aquilo que é necessário para uma jornada de caça. Os objetos transportados não são nem muito volumosos nem muito pesados, artigos de caça, caixinha de rapé, folhas de tabaco, fósforos, mandioca ou noz de cola; enfim, tudo aquilo que ele poderá necessitar. Pode ser que essa bolsa, antigamente fosse uma aljava. Mas depois, com a introdução do fuzil e outras armas de fogo, o arco e a flecha foram deixados de lado, só sendo hoje utilizados para matar pequenos roedores ou pássaros. Portanto, na bolsa vão duas ou três flechas não sendo necessário o uso de uma aljava.
O nkutu é praticamente indispensável ao caçador porque é através dele que ele transporta suas munições e algum alimento como um pedaço de mandioca, um naco de carne, mas nunca uma refeição completa porque a refeição completa ele fará quando voltar da caça. Cada caçador tem sua própria bolsa e é imperdoável que um caçador mexa na bolsa do outro, ou examine os objetos que ela contém.
Nkutu não é uma bolsa de provisões. O nkutu é uma bolsa do caçador e não do viajante. Sendo assim, ele é reservado ao uso somente dos homens e nenhuma mulher o usa. É um objeto reservado como o é o arco do tirador de vinho de palma (nkozo), o cordão da cesta das mulheres (lu-abi) que nenhuma pessoa de outro sexo pode usá-lo, pois é uma proibição (vina)
O nkutu é carregado sobre o ombro esquerdo. O cordão que o sustém deve ser bem longo para não atrapalhar os movimentos de quem o está usando.
O nkutu encontra-se entre os atributos da realeza entre os baKongo. O Mani Kongo tinha seu Nkutu assim como todos os governadores de províncias, duques e condes. É de supor que este atributo era uma tradição comum a todos os senhores chefes de terra e não algo exclusivo ao Rei do Congo. Nunca ele autorizaria aos seus vassalos se fosse um atributo de exclusividade real.
A origem do nkutu atributo da realeza deve ter surgido no ciclo da caça. Seu nome Nkutu deve ter originado da palavra “ko ago”, do substantivo Nknngo, o caçador. Todas os nomes de família derivam de uma sentença que explicite o nome através de um verbo do mesmo radical. Assim Kongo, deriva Du verbo kongo-kunga, reunir,ajuntar. Ma kongo é o senhor que reúne sob seu comando as famílias e os clãs diversos. Em efeito, porque numa det Toda a vida kongo está sob o signo da caça, cheia de reminicências da vida da caça.
Ser caçador é um trabalho nobre, o símbolo do homem livre. No MaYombe ninguém era iniciado a divindade protetora da terra, Nkisi si e agregado a sociedade dos BAsemuka se não fosse um caçador bem sucedido (sinal que era amado dos deuses). Animais e florestas constituem a base do folclore indígena. No Soyo, umas das poucas constelações conhecidas, a de Orion se constitue do caçador, do cachorro e da gazela.
Por ocasião da eleição do rei as referências a vida da caça são explícitas.Vejamos o que se passava em Cabinda para a consagração do Ma Ngoyo. Após a designação do futuro rei, ele deveria permanecer na Casa do Um-elele, o chefe do clã. Os conselheiros marcavam o dia Kando, dia da semana indígena para a primeira cerimônia. O pretendente então deveria passar pela aldeia do Ntoonde ele prestava o primeiro juramento. Um Nganga dava a ele a água benzida e colocava no seu braço direito um bracelete feito de latão, chamado vindt (seria uma alusão a transmissão do Nkutu?) A cerimônia seguinte com juramento se realizava na floresta de Ntende, à margens de um lago. Uma terceira era o reencontro do futuro rei com a princesa Ma Nkata, e isto acontecia dentro da floresta. Enfim, a última, um coito realizado com a mulher chamada Yambi sempre na floresta. Um outro autor (João de Mattos – Contribuição para o estudo da Região de Cabinda) acrescenta que para a sagração do Ma Ngoyo era necessário o rapto simulado da esposa do primeiro mandatário do clã, a permanência com ela na floresta durante três dias, se alimentando apenas de frutos crus, e percorrendo grandes distâncias. Entretanto, era necessário que o rei jamais execrasse a terra, e que fosse derramado sangue humano ou de um animal de grande porte.
O Ma-kongo do ka-kongo antes de se apoderar do trono era submetido a uma regime alimentar ritual que é normalmente aquele do caçador: raízes de mandioca e coco.

3. O nkutu de Soyo

O nkutu de Soyo não tem certamente outras origens.Entretanto, um outro elemento, a lenda da fundação da dinastia o insere. Para a compreender um giro pelos costumes dos Solongo se faz necessário. Se trata do Simbi. O simbi (PL. isimbi) é um ser de uma essência superior a nossa, um ser bem real, um pouco entre o material e o imaterial – é necessário evitar o termo espiritual – é uma espécie de gênio das águas. Pode ser macho ou fêmea, como os seres humanos. Em certas ocasiões pode-se surpreendê-lo, capturá-lo e aprisioná-lo, esse feito pode ser executado por pessoas que possuem uma força espiritual superior a dele. A morada desses gênios é a água, rios ou lagoas. Preferentemente esses locais são marcados por cascatas, cavernas ou rochas, abismos ou locais mais profundos. Eles vivem lá tendo uma boa convivência com os simples mortais, mas às vezes saem para visitar os humanos como divertimento.
Esses divertimentos podem entretanto ter complicações mais sérias. O simbi pode seguir então uma mulher que venha buscar água no rio ou um homem que mergulha em busca de pesca. Nove meses depois nasce uma criança na forma de albino, ou um par de gêmeos, ou um anão. Assim se pode distinguir simbi ia nlangu, o gênio das águas, do simbi ia ntandu, o gênio da terra firme, tendo em conta a maneira como ele encarnou num humano.

A crença na encarnação de um ser de outra ordem na forma de albinos ou de gêmeos é comum em toda a etnia kongo. No MaYombe entretanto, os mbaka-baka, os pigmeus e anões não eram considerados de essência superior. Enquanto que, sob o lado esquerdo do Zaire eles são considerados seres fabulosos, de lenda. O ki-lombo é exclusivo da margem esquerda. Enquanto o nome de ki lombo seja conhecido também no Ma Yombe e empregado como nome de pessoa, muito mais entretanto que na região de Soyo. (ki lombo significa também: caravana, uma quantidade de gente)
Antes do nascimento, o simbi pode se manifestar à mãe grávida seja através de sonhos ou por certos estados particulares. Isso é comunicado ao Nganga que dará as devidas explicações.
Muitos simbi podem nascer através da mesma mulher; um dos dois virá então como precursor; esse será o ki lombo.
Em seu nascimento, o ki lombo traz os signos de sua missão. Nas espáduas carrega uma bandeirola, em duplo cordão cruzado sobre o peito, nsinga ou ndembe a nleze. Sobre o alto da cabeça possuiu uma carapuça vermelha, mpu a ki mbungu a m’enga, literalmente: boné da cor do sangue. Sobre a borda exterior da mão ajunta-se um apêndice em forma de bolsa, nkutu. É um caçador rei ou um rei caçador que chega; ui utuka ki kutu muna to k andi ie ndembe a nleze ie ‘mptt a ki mbungu me ga= ele é nascido com a camisa sobre o corpo, a bandeirola e o boné vermelho.
A criança que nasce após os gêmeos se chamava – nlandu – Após o nascimento de albinos a mãe não poderá mais engravidar. Ki lombo, numba et zuzi, ndundu e mbi são as encarnações do simbi. Toda sua vida se desenvolverá sob esse signo.
O nascimento mesmo é um acontecimento. Todos os nganga simbi, eles também pais de simbi são convocados e consultados sobre a importância e a significação do fato. A criança e a mãe deerão evitar de sair de casa, não como as outras mães, durante um mês, mas permaneceram em casa dou ou três anos. A saída –i o teta nkandi= abrir a noz de cola, porque a mãe abrirá então uma noz. Como óleo de palma cobrirá seu corpo e o corpo da criança; ou o vaika va senze = abandonar a cama onde no primeiro mês a mãe dormiu com seu filho) sempre a uma nova lua = ngonde ii zanaamene) será uma cerimônia celebrada por grande número de pessoas. Nesta ocasião toma-se uma noz de cola (kanda e sombo) menos dura que as outras porque a mãe deverá abri-la de um só golpe de pedra( muanda e mose kaka ).

Mesmo criança o simbi usufruia sempre de um estatuto especial correspondendo a sua origem. Ele é independente do homem e da mulher, pois ele é um ser especial. Todos procuram tratá-lo bem e temem por sua vingança. Acreditam que ele poderá se tornar invisível para se vingar das pessoas.
Para manifestar seus desejos ou um simples capricho o simbi se serve dum médium, seja da família seja da aldeia, aparecendo em sonho e revelando o que necessita. A pessoa prevenirá seus familiares e aqueles irão executar.
Quando o simbi adquire uma certa idade é construído para ele uma cabana igual a dos demais mas um pouco afastada. A inauguração dessa cabana corresponde a uma espécie de consagração. Outros simbi são convidados para participar da inauguração. Um pequena cesta com tampa, - unde – mas em língua io bi : kangu Kia simbi, é necessária Os outros simbi colocam nela: a ponta da cauda de um animal – fu gi ou nsisa a miakasa, em língua simbi – nsese simbi, e seu espanta mosca. – lu vemba, uma pedra calcária, que pode ser reduzida a pó, tirada das falésias – ela se chama mpezo ou nguza porque ela é empregada nas cerimônias de ngola;todos os desenhos rituais serão feitos com ela.
Ntadi a ngubia, igualmente uma pedra calcária, mas de cor ocre, utilizada para os mesmos fins que lu vemba.
Tambi Kia ngufu, o casco do hipopótamo;
Ma sevo ou ma semono, búzios do mar, que são inevitáveis em todas as cerimônias;
Ma kazu, a noz de cola, necessária para os exorcismos; o feiticeiro a masca e espalha sobre os membros do consulente;
Zi mpangu, argolas de ferro;
Meso nkana – um fruto silvestre.
Todos estes objetos são venerados pelo seu valor mágico e são necessários em todas as cerimônias religiosas.
Na casa, o simbi continua sua vida dupla. Seguidamente durante seu sono ele faz predições do futuro, previne as pessoas de algum mal ou de alguma doença que poderá atacá-las, indica remédios e meios de se livrar dos conjuros. Se alguma calamidade ameaça a comunidade o simbi preside as cerimônias de expiação, benze os fiéis.
Um certo Mbungu-mbungu, um albino da aldeia Ki-ma-uete, percorria a região de Soyo, descobrindo infalivelmente os ba kisi, os maus feitiços, aqueles que matam, e os queimando em um grande auto-de-fé.
Os simbi eram sagrados, zi toma e nsi, depositários das forças mágicas para o bem da comunidade mas também eram investidos de autoridade religiosa e de poder regulamentar o culto religioso. Como na sociedade congolesa não havia divisão entre o poder religioso e o político, eles gozavam de um grande poder sobre a vida do clã. Os simbi eram por eles mesmos iniciados e afiliados a um grande número de feitiços. Para eles não existia nenhuma prescrição ou proibição ritual.

Segundo a filosofia congolesa, a personalidade completa de um indivíduo compreende tudo que está intimamente ligado a ele: dentes, cabelos, dedos, a marca de seus pés sobre a terra, até a sombra de seu corpo. Todos estes elementos guardam um contacto intimo entre a personalidade psíquica e moral do indivíduo. Cabelos e unhas se prestam maravilhosamente a todos os feitiços. Um tufo de cabelos jogados ao vento e recolhidos por um pássaro pode se tornar causa de loucura. É por esta razão que todo que se refere ao corpo deve ser enterrados, como uma pessoa e necessitando, conservado até que a ocasião se apresente, porque a terra é como uma guardiã do clã. Pela mesma razão nenhum rei ou príncipe serão enterrados se não estiverem completos
Sempre pelo mesmo motivo o famoso nkobe mbingu, uma espécie de relicário do clã, ou melhor, a reunião sempre atual do clã, continha uma mínima parcela dos membros vivos (cabinda, kakongo). E eis porque, unhas e dentes e cabelos de simbi eram colocados quase como simbi mesmo e que o nkutu de Soyo continha um fêmur de ndudu.
Evidentemente que essas pessoas simbi dificilmente encontram casamento, mas suas qualidades superiores intervêm em seu favor. Ao simbi homem é suficiente dar uma pernada (zombuka) nas pernas de uma mulher sentada. A mulher assim designada deverá automaticamente esposá-lo.
A simbi mulher poderá deixar-se fazer a vontade. Se ela parecer grávida o sedutor deverá ressarcir a família de todas as despesas. Mas uma mulher simbi não poderá fazer comida, nem ajudar nos campos, nem executar nenhum trabalho doméstico, o que torna inviável sua vida de casada.
Enfim, o simbi mesmo morto requer ainda um tratamento especial. A crença era, se se tratar de uma criança, que era suficiente estender o cadáver numa cama e fechar a porta da casa – vela Kia simbi – que espontaneamente as formigas sairiam da terra e construiriam uma casa em torno do morto até que ele fosse coberto pela terra. Se o corpo fosse enterrado seu corpo deveria ser enterrado em peças de tecido e colocado próximo de um curso de água, próximo da casa. A casa do morto continuaria por um certo tempo a ser centro de peregrinagem.
Ne Nzinga a Nsunda, o fundador da dinastia Soyo era um simbi, da espécie ki lombo. Somente essa ligação lhe deu esse nome, ele se chamava Nzinga, o enrolado (pela corda ndembe a nzele)
Tudo assinala o ki lombo: o boné vermelho, a corda cruzada e a bolsa de caçador, atributos dos nobres Solongo. Ainda hoje em ocasiões especiais usam um largo pano passado pelas espáduas – ndembe a nleze. Um costume idêntico foi observado em Cabinda. O boné vermelho era reservado a algumas cerimônias. E a bolsa de caçador é ainda hoje insigna da realeza, um aspecto comum a todos os clans do kongo.

B Papel do Nkutu

O nkutu do kongo servia para recolher impostos sob a forma de Nzimbu, e também para guardar documentos do arquivo real. No Soyo ele tem essas duas funções e também a de relicário familiar, tudo de uma maneira simbólica. O nkutu do Soyo contém: ntanda a kodal, uma corda com as pérolas vermelhas (coral) enfiadas; ntanda a sungu, um cordão com os cauris; lundu dua kulu dia ndundu bu kadi, o fêmur de um albino; crucifixo e medalhas de fabricação indígena, modelo daqueles introduzidos pelos primeiros missionários. Cada objeto tem sua significação e seu emprego próprios. Para os conhecer é necessário uma pessoa qualificada para os explicar, é necessário recorrer a interpretação por ocasião de cerimônias onde esses objetos são encontrados.
O crucifixo como emblema de autoridade indígena parece ser posterior ao período dos missionários capuchinhos; ele não aparece sobre as antigas gravuras que mostram o rei do Kongo, tinha seu cetro e seu cetro não parece coroado por um crucifixo. Quando os missionários abandonaram o país, o crucifixo passou a ser um objeto de bendição entre as mãos dos chefes

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