quinta-feira, 2 de julho de 2009

O KIPASSI

O Kipaxi ou Kipassi, ou ainda Kimpasi ou Kimpasi KindemboEsta cerimônia das mais importantes entre o povo bakongo é realizada sempre que haja diminuição da natalidade ou aumente a esterilidade das mulheres, ou ainda ocorra excessiva mortalidade entre os membros do grupo. É uma cerimônia iniciática e, portanto de caráter religioso.Sempre que algum desses problemas se torne muito evidente, o chefe de aldeia começa a divulgar o acontecimento, não só na sua aldeia, mas também nas aldeias vizinhas, pertencentes à mesma Kanda . Em seguida, consulta-se o Nganga-Ngombo, o sacerdote adivinho, para saber a época mais propícia para tal realização. São admitidos no Kipassi jovens entre 12 e 18 anos, pertencentes a todas as famílias da aldeia, não sendo admitidas pessoas doentes, delinqüentes, adúlteros ou de má reputação. Toda a cerimônia ficará sob a direção e responsabilidade do Nganga-Kipassi que contará com várias pessoas de ambos os sexos para auxiliá-lo.Os ritos principais desse ritual iniciático eram os de simulação de morte-ressureição, ou morte/nkita. São sempre realizados em um local onde houver água e floresta e que outrora houvesse hospedado uma aldeia, de onde todos se mudaram e que atualmente sirva de cemitério para a comunidade. Entre a morte e a ressurreição acontecem várias cerimônias, sempre num regime alimentar de quase fome, momentos em que os iniciados aprendem o juramento da seita, juramento esse que deverá ser cumprido até o final da vida.O ato da ressurreição, primeira parte do rito, acontece sempre em noite de lua nova, e nessa ocasião os participantes mudam de nome e devem se transformar em pessoas diferentes daquela que eram antes do início da cerimônia, ou seja, antes da morte/nkita. Como conseqüência deve procurar esquecer toda a sua vida pregressa. A adoção de um novo nome é sempre parte fundamental da cerimônia, sendo que, a partir de então o iniciado usará somente o novo nome em qualquer circunstância.À ressurreição e a mudança de nome segue-se um lauto banquete, com muita comida e grandes quantidades de vinho de palma, recheados de cantigas e atos licenciosos, na exaltação dos órgãos sexuais masculinos e femininos e o ato sexual em si como necessário para a procriação.Há então uma segunda fase da iniciação, momento em que os candidatos aprendem os cânticos, as danças, a língua secreta. Adquirem hábitos de disciplina e são instruídos a nada contar aos não iniciados sobre o que acontece durante o Kipassi, a qualquer custo. Em alguns locais, o Kipassi também funciona como liturgia de iniciação de novos Ngangas, momento em que segundo o autor, os candidatos são pintados com argila branca, e o iniciador e sua ajudante cantam cânticos obscenos exaltando os órgãos sexuais masculino e feminino e seu poder de procriação. Nessas ocasiões celebram o Nkita, destacando em especial seu caráter gerador da potência procriativa e familiar.Como último ato antes da saída pública o Nganga Kipassi e seus auxiliares preparam os Minkissi individuais de cada iniciado, sendo o Nkissi constituído de duas partes: a primeira é um pequeno envoltório feito de ráfia que contém as cinzas de uma fogueira queimada durante o recolhimento e a segunda é um pequeno cesto com argila branca do rio, tacula, cinza e outros elementos que o autor não especifica, tudo regado com o sangue de um galo.Finalmente, o dia da saída, o término da iniciação, é um dia de grandes festas. Os candidatos untados de pó de takula e de óleo de palma dirigem-se em fila para o centro do mercado, sob o som de cânticos e tambores. O iniciador do Nganga-kissapi e seus auxiliares cantam ao som de tambores entre a enorme multidão reunida no mercado para tal ocasião.Os iniciados em fila, não reconhecem ninguém e resmungam palavras inteligíveis, em voz de falsete, cantando musicas aprendidas durante a iniciação e tiram das casas e das bancas do mercado o que lhes apetece e ninguém deve ou pode impedi-los.“A instituição do Kipassi tinha como finalidade principal obter dos antepassados a transmissão de suas forças procriadoras a fim de aumentar a natalidade e, portanto, o ngambo-bantu, isto é, a riqueza em homens” (MARTINS: 1958 p.71-72)Nesta descrição de Manuel Alfredo de Morais Martins (MARTINS: 1958) complementada por Luc de Heusch ( HEUSCH: 2000) sobre os bakongos de Angola podemos evidenciar alguns pontos importantes para a melhor compreensão do moderno candomblé de congo-angola. Um deles é o caráter iniciático dessa cerimônia o Kipassi ou Kipaxi. Há o recolhimento, os atos sob o som de tambores e cânticos específicos, a presença de um sacerdote especializado, a adivinhação praticada por um outro sacerdote, as pinturas rituais de lama branca e tacúla, a apresentação dos iniciados no mercado público, a maneira como os mesmos se apresentam, em forma de crianças – muito parecido com o nosso kafioto – a troca de nomes – dijina – a liberdade com que os iniciados se apoderam das coisas no mercado sem poderem ser repreendidos, tudo isso é muito parecido com a chamada feitura de santo nas casas Congo-Angola. Encontramos nessa descrição, o jogo para saber o santo do iniciado, as pinturas a que é submetido o muzenza, as várias saídas, a quitanda do muzenza etc, etc. O autor não especifica a raspagem de cabeça, mas como na cerimônia do Mbingo, vista pouco atrás, é possível que ela também aconteça no Kipassi. Outro dado interessante que merece estudo mais aprofundado é o nome do Kipassi, porque em alguns lugares, segundo o autor, ele é chamado de Kipassi Kindembo. Ora, sabemos que Kindembo é considerado o Rei de Angola, nas casas de Congo-Angola. Viria daí a realeza de Kindembo, uma vez, que na região dos bakongos essa cerimônia, o Kipassi, é fundamental para o crescimento e manutenção da população e conseqüentemente da força vital dos homens e mulheres, e que cerimônia de tal envergadura tenha Kimdembo como patrono, uma vez que leva seu nome. Isso explicaria a razão de Kimdenbo ser considerado o Rei da nação aqui no Brasil? É também preciso atentar para a figura do Nkita, presente ainda em algumas casas mais tradicionais do complexo Congo-Angola, mas já esquecido em outras. Seria o Nkita, a quem a cerimônia do Kipassi é dedicada essa figura infantil que aparece nos candomblés de Congo-Angola, arteiro, malcriado, maledicente, mas necessário no período de iniciação do Muzenza? Numa reflexão mais profunda, seria o Nkita um espírito infantil ou um espírito de um homem pequeno, de um anão, um pigmeu, o que explicaria certas atitudes tomadas pelos espíritos infantis que dominam a cena em certas ocasiões nas casas de candomblé bantu. O Nkita existe em África e no Brasil, mas aqui um pouco esquecido pelas dificuldades que seu culto apresenta, segundo os mais antigos, mas não estaria ele sendo cultuado na forma de espíritos infantis que gosta de bolo, refrigerante e outras guloseimas?Toda a cerimônia do Kipassi é elaborada em função do Nkita, que segundo Padre Martins (MARTINS S/D) é um espírito que vem até os homens para puni-los por faltas cometidas contra a tradição e a família, mas também vem para distribuir benesses.Luc de Heusch (2000) descreve uma série de cerimônias na área cultural dos bakongos e todas elas envolvem o transe mediúnico, ou seja, a tomada de um Nkissi do corpo de uma pessoa. Em uma deles, o autor nos informa que entre os Mpangu Ntandu, grupo étnico do Congo setentrional, há quatro Minkissi especializados em provocar desordens mentais principalmente em mulheres jovens. São eles, o Nkita Malari, o Mvumbi Masa, Kivunda e Nkweti, provocando inicialmente crises convulsivas nos pacientes. Segundo o autor, os dois primeiros, o Nkita Malari e o Mvumbi só atacam as mulheres e que os outros dois não escolhem sexo. Esses Minkissi após terem acometido seus pacientes de desordens mentais e estes, depois de devidamente tratados pelo Nganga, tornam-se médiuns dessas divindades e passam também a atender outros pacientes com o mesmo mal. O tratamento consiste em recolher o paciente por dois ou três meses numa cabana previamente preparada para isso, o paciente é pintado de tacula e lama do rio. Como energia ele recebe a força de um Nkissi já devidamente preparado e ao final desse tempo o paciente terá também seu Nkissi preparado pelo Nganga.É interessante perceber nestas descrições o papel exercido pelo Nkissi e o lugar especial de que goza o transe entre as pessoas. São mais alguns elementos que vêm reforçar o caráter de procedência do candomblé de congo-angola.
Benin

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