domingo, 10 de julho de 2011

novo e-mail

Olá amigos!

Obrigado por estarem prestigiando nosso blog! Meu novo e-mail é: benin690@gmail.com

Um abraço a todos!

Sérgio

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

PORQUE SER ANGOLEIRO

PORQUE SER ANGOLEIRO

O CANDOMBLÉ É UMA RELIGIAO QUE SE CARACTERIZA POR DIFERENCAS, QUE NUM PRIMEIRO MOMENTO ERAM ETNICAS, MAS QUE

OS VÁRIOS SEGMENTOS DA RELIGIAO. São as nações, sendo que as predominantes a gege, de origem no povo ewe, hoje Benin e Togo, a de Ketu, de origem yoruba e a de Congo-Angola, como origem nos países banto da áfrica meridional e sul. Existe harmonia entre essas nações, ontem muito mais que hoje, mas há também diferenças estruturais importantes.

Sobre a nação de ketu sabe-se muita coisa graças a um intenso trabalho de pesquisa levado a efeito nas casas mais tradicionais. Sabe-se a história, seus principais ritos, sua rica mitologia. As livrarias sempre dispõem de obras a respeito do assunto, e só não lê algo sobre a nação de keto quem não tiver mesmo nenhum interesse.

Quanto a nação gege pouquíssima informação é encontrada e só agora começam a surgir os primeiros trabalhos sobre esse segmento. Assim como sobre a nação de Congo-angola também começam a surgir timidamente os primeiros trabalhos.

No entanto, o que nos leva a tomar esse espaço não é evidentemente nos preocuparmos com esse assunto mas sim apresentarmos uma pequena reflexão sobre o que é ser angoleiro.

O candomblé de congo-angola apresenta algumas características que lhe são próprias, assim como as outras nações. A simplicidade no modo de trajar das pessoas, mesmo em dias de festa é uma delas. Essa simplicidade como traço distintivo já deu ao angola o epíteto de nação da chita, evidenciando o gosto que as mulheres angoleiras tem por esse tipo de tecido para compor suas belas vestimentas. O homem angoleiro normalmente usa apenas calca e camisa branca e um boné branco na cabeça. Tudo muito simples, despojado e singelamente belo.

Os tambores no candomblé de congo-angola são tocados com as mãos, acompanhado pela campânula de ferro ou do caxixi. A questão do ritmo é outra das marcas angoleiras. Suas cantigas são fáceis de memorizar porque tem os ritmos da musica popular e da musica folclórica do país, tornando-se assim muito familiar ao povo em geral. Numa kizomba ou num rito interno todo mundo presente é capaz de acompanhar as cantigas e fazem isso com muito entusiasmo. Como os atabaques são tangidos com as mãos criam-se sons familiares a maioria das pessoas já acostumadas com os batuques brasileiros.

Mas, sem muitas delongas, a grande diferença entre as nações são as divindades cultuadas em cada uma delas. No ketu cultuam-se os orixás, no gege cultuam-se os voduns e no congo-angola cultuam os bankissi (sing.Nkissi). Esse é o grande traço diferenciador entre todos. Os aspectos formais dos cultos contam muito pouco quando chegamos ao âmago da questão, que são as divindades. Todas essas divindades, no nosso modo de ver, são elementos da natureza. Náo foram divinizadas pelo homem, mas são divinas em sua essência, fazem parte da criação de Nzambi-Ampungo, o incriado. A natureza está presente para nos harmonizar com o todo do qual Nzambi faz parte, mas também para nos harmonizar com o cosmos e em tudo que nele existe.

Se todas as divindades do candomblé são elementos da natureza, como maior ou menor personificação não significa que sejam exatamente a mesma coisa. Um nkissi é um nkissi, um orixá é um orixá e o vodum tem suas próprias características tal como os bankissi e os orixás. Muita gente vê como seres da mesma natureza e estão certos. Sáo da mesma natureza, mas oriundos de culturas milenares diferentes que os moldaram culturalmente diferentes. Suas naturezas divinas se amoldaram a culturas diferentes e seus comportamentos se adaptaram aos comportamentos humanos que os cercavam porque só assim, falando a mesma linguagem dos homens poderiam viver em harmonia com eles e trazer paz e prosperidade ao grupo. Náo poderiam ser estranhos ao grupo porque se o fossem não conseguiriam suas metas e seus intentos que é o de ajudar os humanos em sua caminhada pelo planeta. Portanto, são iguais na sua natureza divina mas diferentes em sua natureza cultural e sendo assim, devem ser vistos como similares mas ao mesmo tempo profundamente diferentes.

Na crença mais profunda do candomblé cada indivíduo nasce com uma natureza própria que vai se amoldando e se aperfeiçoando no decorrer da vida. Essa natureza própria é nosso Nkissi por isso dizemos que nossa cabeça pertence a esse ou aquele Nkissi. O Nkissi não é nosso anjo da guarda. Ele é nossa natureza mais profunda por isso cada indivíduo tem suas próprias manias e seu jeito de ser. Se o nkissi é a nossa natureza mais profunda somos socialmente e culturalmente quase uma cópia dele, por isso nos comportamos de maneira tão parecida com ele.

No candomblé as pessoas transferem-se de casa, de grupo e até de nação. É muito comum vermos pessoas que pertenciam a uma nação passarem a pertencer a outra com muita freqüência. E ao mudar de nação apenas transferem o nome da divindade adaptando-a ao novo meio. Se no angola era de mutakalambô, passa para o keto como Oxossi e assim por diante. Ou se era no keto Oxum passa no angola a ser Dandalunda. Tudo muito bonito se não fosse por um detalhe. Ou sua natureza já era de orixá e não de Nkissi ou está havendo uma enorme enganação cujos resultados redundarão em fracassos e mazelas na vida.

Se há similaridade entre as divindades, há também profundas diferenças que devem ser levadas em conta. No início dos candomblés os indivíduos eram conduzidos para essa ou aquela casa de acordo com o resultado do jogo. Se fosse de angola era encaminhado para uma casa de angola, se de keto ia pro keto. Hoje em dia, os zeladores em sua maioria querem é ter filhos de santo. Váo logo recolhendo sem levar em conta as particularidades de cada um. O resultado é o desastre, o mal estar e o nome do candomblé na lama.PORQUE SER ANGOLEIRO

O CANDOMBLÉ É UMA RELIGIAO QUE SE CARACTERIZA POR DIFERENCAS, QUE NUM PRIMEIRO MOMENTO ERAM ETNICAS, MAS QUE

OS VÁRIOS SEGMENTOS DA RELIGIAO. São as nações, sendo que as predominantes a gege, de origem no povo ewe, hoje Benin e Togo, a de Ketu, de origem yoruba e a de Congo-Angola, como origem nos países banto da áfrica meridional e sul. Existe harmonia entre essas nações, ontem muito mais que hoje, mas há também diferenças estruturais importantes.

Sobre a nação de ketu sabe-se muita coisa graças a um intenso trabalho de pesquisa levado a efeito nas casas mais tradicionais. Sabe-se a história, seus principais ritos, sua rica mitologia. As livrarias sempre dispõem de obras a respeito do assunto, e só não lê algo sobre a nação de keto quem não tiver mesmo nenhum interesse.

Quanto a nação gege pouquíssima informação é encontrada e só agora começam a surgir os primeiros trabalhos sobre esse segmento. Assim como sobre a nação de Congo-angola também começam a surgir timidamente os primeiros trabalhos.

No entanto, o que nos leva a tomar esse espaço não é evidentemente nos preocuparmos com esse assunto mas sim apresentarmos uma pequena reflexão sobre o que é ser angoleiro.

O candomblé de congo-angola apresenta algumas características que lhe são próprias, assim como as outras nações. A simplicidade no modo de trajar das pessoas, mesmo em dias de festa é uma delas. Essa simplicidade como traço distintivo já deu ao angola o epíteto de nação da chita, evidenciando o gosto que as mulheres angoleiras tem por esse tipo de tecido para compor suas belas vestimentas. O homem angoleiro normalmente usa apenas calca e camisa branca e um boné branco na cabeça. Tudo muito simples, despojado e singelamente belo.

Os tambores no candomblé de congo-angola são tocados com as mãos, acompanhado pela campânula de ferro ou do caxixi. A questão do ritmo é outra das marcas angoleiras. Suas cantigas são fáceis de memorizar porque tem os ritmos da musica popular e da musica folclórica do país, tornando-se assim muito familiar ao povo em geral. Numa kizomba ou num rito interno todo mundo presente é capaz de acompanhar as cantigas e fazem isso com muito entusiasmo. Como os atabaques são tangidos com as mãos criam-se sons familiares a maioria das pessoas já acostumadas com os batuques brasileiros.

Mas, sem muitas delongas, a grande diferença entre as nações são as divindades cultuadas em cada uma delas. No ketu cultuam-se os orixás, no gege cultuam-se os voduns e no congo-angola cultuam os bankissi (sing.Nkissi). Esse é o grande traço diferenciador entre todos. Os aspectos formais dos cultos contam muito pouco quando chegamos ao âmago da questão, que são as divindades. Todas essas divindades, no nosso modo de ver, são elementos da natureza. Náo foram divinizadas pelo homem, mas são divinas em sua essência, fazem parte da criação de Nzambi-Ampungo, o incriado. A natureza está presente para nos harmonizar com o todo do qual Nzambi faz parte, mas também para nos harmonizar com o cosmos e em tudo que nele existe.

Se todas as divindades do candomblé são elementos da natureza, como maior ou menor personificação não significa que sejam exatamente a mesma coisa. Um nkissi é um nkissi, um orixá é um orixá e o vodum tem suas próprias características tal como os bankissi e os orixás. Muita gente vê como seres da mesma natureza e estão certos. Sáo da mesma natureza, mas oriundos de culturas milenares diferentes que os moldaram culturalmente diferentes. Suas naturezas divinas se amoldaram a culturas diferentes e seus comportamentos se adaptaram aos comportamentos humanos que os cercavam porque só assim, falando a mesma linguagem dos homens poderiam viver em harmonia com eles e trazer paz e prosperidade ao grupo. Náo poderiam ser estranhos ao grupo porque se o fossem não conseguiriam suas metas e seus intentos que é o de ajudar os humanos em sua caminhada pelo planeta. Portanto, são iguais na sua natureza divina mas diferentes em sua natureza cultural e sendo assim, devem ser vistos como similares mas ao mesmo tempo profundamente diferentes.

Na crença mais profunda do candomblé cada indivíduo nasce com uma natureza própria que vai se amoldando e se aperfeiçoando no decorrer da vida. Essa natureza própria é nosso Nkissi por isso dizemos que nossa cabeça pertence a esse ou aquele Nkissi. O Nkissi não é nosso anjo da guarda. Ele é nossa natureza mais profunda por isso cada indivíduo tem suas próprias manias e seu jeito de ser. Se o nkissi é a nossa natureza mais profunda somos socialmente e culturalmente quase uma cópia dele, por isso nos comportamos de maneira tão parecida com ele.

No candomblé as pessoas transferem-se de casa, de grupo e até de nação. É muito comum vermos pessoas que pertenciam a uma nação passarem a pertencer a outra com muita freqüência. E ao mudar de nação apenas transferem o nome da divindade adaptando-a ao novo meio. Se no angola era de mutakalambô, passa para o keto como Oxossi e assim por diante. Ou se era no keto Oxum passa no angola a ser Dandalunda. Tudo muito bonito se não fosse por um detalhe. Ou sua natureza já era de orixá e não de Nkissi ou está havendo uma enorme enganação cujos resultados redundarão em fracassos e mazelas na vida.

Se há similaridade entre as divindades, há também profundas diferenças que devem ser levadas em conta. No início dos candomblés os indivíduos eram conduzidos para essa ou aquela casa de acordo com o resultado do jogo. Se fosse de angola era encaminhado para uma casa de angola, se de keto ia pro keto. Hoje em dia, os zeladores em sua maioria querem é ter filhos de santo. Váo logo recolhendo sem levar em conta as particularidades de cada um. O resultado é o desastre, o mal estar e o nome do candomblé na lama.v

segunda-feira, 28 de junho de 2010

O SIMBOLISMO DAS CORES NO CANDOMBLÉ DE CONGO-ANGOLA

O SIMBOLISMO DAS CORES NO CANDOMBLÉ DE CONGO-ANGOLA


As cores fazem parte das atividades humanas desde que o homem ganhou estatuto de humano. Mesmo para os povos menos desenvolvidos tecnologicamente as cores exercem um grande fascínio, haja vista que os homens da caverna já as utilizavam para suas pinturas rupestres. Na história da arte humana vemos que, adornos corporais, aparatos de guerra, instrumentos musicais, utensílios domésticos, seja qual fosse qual fosse à finalidade ou a forma do instrumento, o homem destacava e destaca essas formas com as cores mais variadas e luminosas, utilizando-se de materiais que tinha a mão, sejam folhas e troncos maceradas, barro de várias procedências, carvão de madeiras e outros matérias, na intenção de dar-lhes um colorido e uma expressividade maior.
O próprio corpo humano tem servido como território de pinturas e arabescos em busca do belo e também do terrível e do assustador. Para atividades da caça, da guerra, atividades religiosas e simbólicas, o homem se paramenta de cores, seja para assustar, agradar, ou apenas como prazer estético. As cores fazem parte do cotidiano dos homens desde priscas eras e mesmo entre os povos mais desenvolvidos tecnologicamente ela é elemento fundamental na sociedade, seja colorindo casas e habitações, ou tomando forma nos afrescos e pinturas em tela ou escultura em madeira e outros materiais. As cores estão presentes em todas as atividades humanas, que procura imitar a natureza que é sempre colorida, seja nos reinos animal, vegetal ou mineral. Tudo é cor, tudo são matizes, tudo vibra no contato com a luz, criando um mundo de formas e texturas que impressionam e comovem o olhar humano.
No candomblé de congo-angola, enquanto sociedade religiosa, as cores gozam de um estatuto especial, assim como nas demais religiões, seja através das comidas votivas, nos adornos da casa, ou nas pinturas rituais dos iniciados, enfim, tudo gira em torno das cores branco, vermelho e preto, que são carregadas de um simbolismo próprio. Outras cores também são utilizadas, mas não com a mesma freqüência e normalmente são cores derivadas das três principais que são o branco, o vermelho e o preto.
No Nzo Tumbensi de Itapecerica da Serra-Sp. fizemos um levantamento das principais cores nas cerimônias e chegamos à seguinte conclusão.
Entre as três cores utilizadas encontramos as seguintes percentagens assim distribuídas entre os vários momentos do culto.
47% dos elementos são de cor branca, 32% são de cor vermelha e 21% são de cor preta, o que dá uma idéia da preferência simbólica pela cor branca, seguida da vermelha e em último lugar da preta. Isso indica também que a cor branca e vermelha poderia ser vistas como cores positivas, enquanto a cor preta é considerada negativa, e, portanto, usada só em determinadas ocasiões.


COR BRANCA

Cor branca em roupas e paramentos
1) A roupa branca em uso no terreiro
2) Roupa branca da Muzenza (iniciado)
3) Colares brancos usados por todos os filhos de santo

B) A cor branca dos animais de oferenda
4) Galos e galinhas brancas
5) Cabritos e cabras
6) O sangue branco do caramujo

C) Comidas votivas brancas
7) Acaçá
8) canjica
9) farinha de mandioca
10) bolinhos de farinha
11) Água
12) Cachaça
13) Vinho branco
14) Pipoca
15) Sal
16) Feijão branco

D) edificações
17) A casa de kavungo é pintada de branco
18) A casa de Nvumbi (casa dos mortos) é branca
19) Barracão (salão de festas públicas) é pintado de branco
20) A pintura do quarto sagrado é branca (baquisse)
21) O nkissi Lemba é branco
22) Na primeira saída pública a Muzenza é pintada de branco

E) Outros materiais
23) Máscaras dos Bankissi
24)Pemba branca
25) Pano branco (morim) usado na kusaka
26) Bandeira do Tembu
27) Velas

COR VERMELHA

a) Roupas e paramentos
1) a roupa do Nkissi Matamba
2) contas vermelhas dos colares (Nzazi, Matamba, e outros)
3) máscaras dos bankissi
4) assentamento de Nzazi

b) Animais
1) frangos e caprinos vermelhos (ou marrons)

c) Comidas votivas
1) sangue dos animais
2) vinho tinto
3) azeite de dendê
4) mel
5) Makanza (acarajé)

d) outros materiais

1) Pano na sakulupemba
2) Velas para os catiços
3) Barro dos vasos, potes e quartinhas
4) Pintura no muzenza
5) Miçangas (Contas) vermelhas

e) edificações
1) casa do catiço

COR PRETA

a) roupas e paramentos
1) as roupas dos catiços
2) colares preto e vermelho e preto e amarelo
3) pintura azul no muzenza

b) animais
1) galos e cabritos pretos para os catiços[1]

c) alimentos

1) feijão preto
2) verduras


d) outros materiais
1) as estatuetas de Nzilla e Nkod
2) Pano na sakulupemba
3) carvão
4) pólvora

e) edificações
1) casa do catiço

Como se pode ver pelas descrições o uso maior se faz da cor branca e há uma razão para isso. Victor Turner (2005) ao analisar os Ndembu faz um estudo sobre o uso das cores entre eles e mostra a predominância da cor branca no cotidiano e nos rituais. Sabe-se e é de conhecimento corrente que o branco é a cor dos antepassados. Entre os bakongos quando alguém morre, faz uma passagem pelo grande mar e ao chegar à terra dos antepassados, o Mbanza Pemba, ele está branco translúcido pelo contato que teve com a grande água. Em compensação, os que não tiveram uma vida exemplar, não chegam à Mbanza Pemba e transformam-se em Tebo (pl. Matebo) e transformando-se na cor cinza com os cabelos vermelhos. São seres espirituais inferiores que passam o tempo rodeando as aldeias dos vivos, atormentando-os e roubando seus frutos e alimentos. Turner nos informa que tanto o branco quanto o vermelho em determinadas ocasiões pode representar tanto a masculinidade quanto a feminilidade. Na pintura de guerra dos homens o vermelho funciona como masculinidade, mas nos ritos reguladores das menstruações femininas o branco é que representa a masculinidade e o vermelho a feminilidade. Quanto ao negro representa a escuridão, o final das coisas, mas como tudo na cultura africana possui dois pólos, o negro pode também representar o recomeço, já que como representante da morte é também o recomeço das coisas. E a morte não é encarada como um fim em si como na cultura ocidental, mas como uma mudança de estatus perante a vida comunitária.
O branco é sempre entre os Ndembus uma cor positiva, enquanto o negro é negativa e o vermelho possui caráter ambivalente, pois pode ao mesmo tempo ser positivo e negativo, porque ao mesmo tempo em que representa a vida (sangue menstrual, das caçadas, que circula e dá vida aos seres) pode também simbolizar a morte. (o sacrifício ritual, a caçada, a mestruação etc.)
A primeira afirmação que podemos fazer é que o candomblé de congo-angola é herdeiro desse esquema de cores como já vimos em páginas precedentes. O uso intensivo dessas três cores vem demonstrar que herdamos dos africanos a utilização dessas cores com ligeiras adaptações, até na quantidade empregada do branco do vermelho e do negro. O negro como cor negativa está colocada em último lugar na escala cromática, enquanto o vermelho como cor ambivalente está em segundo lugar e o branco como cor positiva está colocada em primeiro plano. Todos os rituais existentes numa casa de candomblé congo-angola fazem uso das três cores, às vezes entremeados de outras cores, mas reconhecidas como oriundas dessas. Por exemplo, o azul e o verde são considerados negros, o laranja e o amarelo como vermelhos. Entre os Ndembu o sol e a lua são considerados brancos, dada a sua luminosidade, assim como entre outros povos bantu, e tal como no candomblé de congo-angola, o amarelo e o laranja são vermelhos e o azul e o verde são negros.
Percebemos que nos ritos de limpeza – sakulupemba[2] – as três cores são utilizadas numa ordem crescente, primeiro usa-se o preto, alimentos, folhas, grãos, depois se usa o vermelho e finalmente o branco, finalizando com a alva canjica de milho, como a fechar o ciclo cromático e finalmente passa-se um pano branco, em todo o corpo do consulente, finalizando o ritual. O uso do preto em primeiro lugar está claramente expresso na necessidade de expulsar as coisas negativas e maléficas que vem causando sofrimento ao paciente. Em seguida entra a cor ambivalente trazendo boas coisas, num período intermediário entre o ruim, o negativo e o bom. E finalmente o branco, como cor positiva, a preparar o paciente para um novo momento, livre dos males que o acometiam. O uso das três cores, que vai do negativo (negro), da escuridão, passando pelo vermelho, uma cor ambivalente, e chegando ao branco é um percurso de fruição espiritual e mística que consiste em libertar o sujeito de todas as mazelas a que foi submetido.
Quanto aos animais de sacrifício, apenas se sacrifica animais de cor preta para as entidades ligadas aos aspectos de segurança e proteção da casa, dos homens e de tudo que se dispõe no candomblé. Catiços (machos ou fêmeas) recebem em sacrifício animais de cor escura (preferencialmente pretos) ou Mpambu Nzilla em suas várias modalidades, pois são divindades encarregadas de levar o mal, acostumadas a lidar com as forças negativas e, portanto, necessitam do sangue de animais escuros para receberem a força (nguzo) necessária para desempenharem suas devidas funções. Os bankissi ligados a terra também recebem cores fortes (preto e branco, preto e vermelho, preto e amarelo), pois a terra (o Ntoto) é o grande mistério e de força incomensurável. Daí a presença do preto como força renovadora, princípio e fim de todas as coisas. Alguns bankissi recebem em sacrifício animais de cor vermelha (marrom) ou amarelo, que são considerados vermelhos. Seriam esses bankissi de natureza ambivalente, já que o vermelho é uma cor ambivalente? Pensamos, sobretudo que esses bankissi dado o seu caráter ambivalente (Nzazi, Matamba, Bamburecema, Kavungo) tanto podem ser benevolentes quanto se provocados fazer grandes estragos na natureza e nos homens. Por isso, suas cores estão ligados ao vermelho e seus derivados, assim como os ligados a terra e a força da natureza usam as cores preto e amarelo, preto e branco, ou branco e vermelho.
Os bankissi ligados a água, ou vestem-se de amarelo (considerado vermelho) ou vestem-se de azul ou verde e portam contas da mesma cor. O verde é considerado preto, dado o mistério das águas profundas, no caso das divindades do mar. Os de amarelo são as águas doces dos rios e lagoas, o que mostra o caráter ambivalente dessas águas, que são tão necessárias à sobrevivência humana, mas que também podem matar e destruir, com afogamentos, alagamentos e tantos outros perigos. Cada cor atribuída a um Nkissi seja através das contas rituais ou das roupas portadas por eles, quando manifestados, tem uma razão lógica, acompanhando o raciocínio e a tradição bakongo.
Há todo um esquema classificatório de cores evidenciando a natureza de cada divindade, herança naturalmente africana, vinda com os escravizados das terras bantu.
Quanto às cores da iniciação, durante todo o período de recolhimento a que é submetido o noviço, 21 dias em total recolhimento no bakissi, ele fica vestido o tempo todo de branco, evidenciando o rito de passagem da vida profana para a vida eclesial. O branco aí representa esse momento de transição, sendo a cor dos antepassados e da passagem da vida terrena para a vida na aldeia dos antepassados. O branco além de significar a pureza, ou seja, os momentos de purificação por que está passando o noviço, é também o símbolo da entrada numa nova vida, vida essa de caráter sacralizante. Sendo a cor da morte e da renovação tem o claro caráter de morte para a vida profana e o renascer na vida espiritual dentro da religião que ele abraçou.
Durante as saídas públicas que em algumas casas é em número de três e em algumas em número de quatro, o noviço vai envergar as três cores. Na primeira saída ele vem vestido de branco, com as pinturas rituais em branco, feitas de pemba[3] a cor branca por excelência. Traz o rosto e a cabeça assim como parte do corpo pintados de pemba, e vem vestido com uma roupa inteiramente branca. É o simbolismo de uma vida que esta nascendo para a comunidade por isso ele porta a cor positiva por excelência, numa clara alusão a morte do velho homem e o renascer do novo membro da confraria.
É alguém que está nascendo para o Nkissi, mas que ainda está em momento de passagem, como se este fosse o primeiro rito. Aliás, as saídas do Muzenza nada mais são que uma rememoração pública, aos olhos da comunidade, dos ritos pelos quais passou durante os dias de recolhimento.
Na segunda saída, o noviço vem de roupa colorida e tem o corpo pintado com as três cores (preto, vermelho, branco) ou de cores correspondentes a essas. Sendo a segunda saída um estágio intermediário, natural que as três cores apareçam, num momento de equivalência entre o ontem e o agora. Se na primeira saída ele demonstra que está entrando numa nova fase de vida, que vai pertencer à confraria, nessa segunda saída e o momento entre o querer pertencer e o pertencer. É nessa saída que o Nkissi vai se manifestar dando seu nome, o nome da divindade que rege o novo iniciado. Esse momento colorido (roupa e pinturas rituais) é o momento de afirmação total do novo fiel àquela confraria. O colorido feito em seu próprio corpo referenda esse momento de posse do Nkissi. A partir de agora, o neófito passa a ser “propriedade” daquele Nkissi e sua vida será regida pelos ditames da nova condição. As três cores são, pois a demonstração desse pertencimento a uma religião e a uma cultura.
Turner (2005) informa que nas grandes cerimônias entre os Ndembu, como o ritual de circuncisão, a partida para a guerra, ou os rituais de iniciação em geral, as três cores (o preto, o vermelho e o branco) estão presentes, nas máscaras, nos escudos, pintados nos participantes, ou como emblemas e estandartes. Talvez só nas grandes ocasiões as três cores apareçam combinadas entre os Ndembu, pois o mais comum e que seja usada aos pares, como o branco e preto ou branco e vermelho. Mas nas grandes ocasiões e comemorações elas são usadas juntas no sentido de completude, pois os Nedembu dizem que três rios têm origem em Nzambi Ampugo. Um rio de águas brancas, outro de águas vermelhas e ainda outro de águas pretas, numa clara alusão de que as três cores são originadas em Nzambi e partilham da realização e do equilíbrio do mundo. Toda a natureza é composta de três cores, desde as águas até os frutos das árvores, passando pelos animais e os homens. A vibração das três cores é que dá sentido e equilibra o mundo criado por Nzambi Ampungo, o incriado.
Na terceira saída, o noviço vem vestido com as cores do seu Nkissi protetor, que será de acordo com a natureza do mesmo. Se for um Nkissi ligado a terra, normalmente virá vestido de palha, ou de um tecido grosso e rústico, nas cores palha ou marrom. Se for ligado aos fenômenos da natureza, virá de roupas vermelhas ou vermelho e branco, assim como se for ligado às águas virá de amarelo ou azul ou verde. As cores aí obedecem a um determinado esquema, de acordo com a herança recebida dos africanos, sem fugir ao básico do preto, vermelho e branco, com suas derivações. É o momento culminante da festa, pois o Nkissi, ao dançar entre os humanos estará demonstrando sua alegria e sua posse naquela comunidade. Geralmente há a presença de uma ou duas cores, ou o preto e o vermelho ou o preto e branco, ou as cores consideradas como tal. Mesmo nas roupas estampadas procura-se juntar essas cores, ou evidenciar uma das cores mais características do nkissi em questão.
Quanto ao preto, não é uma cor totalmente negativa. Turner (2005) nos informa que o preto é também considerado a cor do amor verdadeiro, pois durante o ato nupcial é distribuída lama preta em todas as casas da aldeia, num claro partilha mento do amor do casal. Assim podemos ver que os Catiços, que são mais ligados às questões amorosas (como as pomba-giras) usam vermelho e preto, e os catiços machos usam preto. Além do mistério que o preto evoca e a ambigüidade do vermelho, são cores que remetem ao amor e a paixão carnal. Daí o uso dessas cores por esta qualidade de divindade. Algumas dessas entidades usam as três cores, mas o mais comum é que suas roupas sejam em preto, às vezes só vermelho, e às vezes vermelho e preto.
As três cores provêm de Nzambi Ampungo em forma de rios e colorem todos os elementos da natureza. Ao usá-las, o homem está entrando em sintonia com aquele que tudo criou, e deu aos homens elementos para que ele viva melhor. Tudo é colorido e tudo faz parte da criação de Nzambi. Citando textualmente Victor Tuner,

“As cores são concebidas como rios de poder, que tem sua nascente comum em Deus e permeiam todo o universo de fenômenos sensoriais com suas qualidades específicas. Mas, além disso, são consideradas também como tinturas da vida moral e social da humanidade...” (TURNER:2005 pg.106)

Concluindo, poderíamos dizer que as cores no candomblé de congo-angola obedecem a um rígido esquema de composição e uso. Que como as demais manifestações do candomblé nada é aleatório, mas tudo e todos ocupam lugares bem determinados nos rituais e na hierarquia do culto. Que as três cores utilizadas são provenientes da África bantu e que apesar das influências e adaptações necessárias no novo mundo, muito do que de lá veio permanece quase inalterado. Que se parte do conhecimento perdeu-se durante os horrores do tráfico, parte dele permanece na memória oculta de homens e mulheres passados de geração em geração e perpetuados por eles através da oralidade.
Que as três cores o branco, o vermelho e o negro, que são os três rios que fluem de Nzambi Ampungo, são os elementos que estruturam e dão sentido às praticas religiosas e dão unidade a liturgia do candomblé. As águas coloridas dos rios que fluem de NZambi Ampungo é que fertilizam a terra e todos os seus frutos, assim como dá vida aos seres e aos homens. Sem essas águas coloridas o mundo e todos os seres viriam a fenecer. Portanto, não utilizá-las é negar a existência de Nzambi Ampungo, é negar a existência da natureza exuberante, é em suma, negar a própria existência do homem na terra.


REFERÊNCIAS
TURNER, Victor. Floresta de Símbolos – aspectos do ritual Ndembu.Tradução de Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto. Editora da Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2005.
[1] Catiço é nome que se dá aos espíritos conhecidos como Exu e Pomba-Gira, ou aos boiadeiros, marinheiros e índios.
[2] Sakulupemba também chamado de sacudimento ou por influência da milonga de ebó
[3] Giz branco usado no lugar da argila branca, essa sim usual em África.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

OS BANTU

OS BANTUS
O termo bantu define um grupo linguístico composto de mais cinquenta milhões de pessoas dividido em diferentes etnias. Cada etnia possui elementos culturais e linguísticos comuns a todos, mas também especificidades mais ou menos características que as distingue das demais. Os bantus estão espalhados por um terço do continente africano, desde o Sudão até a cidade do Cabo na África do Sul, do oceano atlântico ao oceano índico, e totalizam um total de 450 línguas aparentadas segundo J. Greenberg.
Essas línguas antes chamadas, línguas cafres, e em seguida foram nomeadas por Willem Bleek (1827-1875) de línguas ba ntu (em duas palavras)
ntu : cabeça ; ba ntu : as cabeças e as pessoas.
Mu ntu – uma cabeça
Mu ntu – designa uma pessoa, uma cabeçaDevido as mudanças climáticas e as atitudes ancestrais, os bantus sairam de seu lugar de origem entre o atual Camarões e a Nigéria, em direção ao sul.
Datas : Acontecimentos comuns ao mundo Bantu8000 – período de extensão do Sahara5000 Os grupos humanos falantes das línguas bantu iniciam as migrações4000 a 2000 – Expansão, ocupação da floresta2800 – Os povos caçadores-coletores vivem ainda no sul do Sudão
1600 a 500 – Ocupação da bacia do Rio Zaire, (bacia do Congo e do Equador)100 – Os povos bantu campeiam por toda a África Central e do SulA agricultura confere aos Bantu uma superioridade numérica sobre os povos caçadores-coletores.500 antes de Cristo a 750 depois de Cristo – Fim das migrações bantu em África austral.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Os zindunga

Extraído de MARTINS, Joaquim. cabindas – história – crenças – usos e costumes. Disponível em http://www.cabinda.net.

(pl. ZINDUNGA OU BADUNGA)
Os ZINDUNGA são grupos de mascarados que ainda hoje se encontram em terras de Cabinda: no Kizu, Ngoio, Kinzazi e Susu. Se actualmente está a perder parte do seu carácter secreto, do género de seita secreta - a instituição dos ZINDUNGA era tida de carácter secreto e a única que se conhece ter existido em Cabinda. O P. Bittremieux quer compará-la à sociedade secreta dos BAKHIMBA, do Maiombe ex-belga. Ainda hoje, se está bastante divulgada e se não se reveste dos cuidados e segredos de outrora, muita coisa se desconhece a seu respeito e é rodeada ainda esta instituição das máximas cautelas e sigilo. Inicialmente era formada a seita por nove mascarados. Mais uma vez se nota aqui o número sagrado destes clãs. Posteriormente juntou-se-lhe mais um décimo mascarado. Mas ninguém nos soube dar uma explicação que satisfaça plenamente. Chegam a dizer que foi no tempo do Sr. Dr. Corte Real que passaram a ter dez mascarados. O Sr. Dr. Corte Real teria gostado que fossem em número par... Daremos, mais para o fim, os nomes de cada mascarado e, tanto quanto possível, a sua explicação. Em terras de Cabinda, todos, tanto pretos como brancos, conhecem hoje os Zindunga. Aparecem com frequência nas grandes solenidades e, como folclore, raro faltam nas festas do aniversário do tratado do Simulambuku e tendo as suas exibições na aldeia de Nova Estreia. Nas solenidades do MPOLO ou NZIMBU (que descreveremos) relacionadas com os funerais dos nobres e ricos senhores, solenidades que hoje se realizam um ano após a morte, os Zindunga estão sempre presentes. Mas a presença dos Zindunga obriga a grandes despesas. Outrora, os cadáveres eram enterrados semanas, meses e até anos depois da morte, para dar tempo a que se juntassem as coisas necessárias para um enterro de grande senhor. Com a obrigação do enterramento logo após as 24 horas sobre a morte, todo ocerimonial do MPOLO fica para o primeiro aniversário da morte do nobre ou ricosenhor. Os homens que fazem parte desta Instituição dos Zindunga apresentam-se escondidos debaixo de grandes máscaras, pintadas e sarapintadas de várias cores, e com uma espécie de coroça, que os cobre até aos pés, feita de folhas de bananeira. Em urna das mãos, quase sempre a direita e que se não vê, seguram uma espécie de vassoura feita com a nervura da folha de palmeira. É para afastar e fustigar os mais atrevidos. Costumam trazer um ramo de Lisisa-sisa (- Afromomum Laurentii), que é preso entre as espáduas e aparece por cima da cabeça. A Lisisa-sisa é tida por planta sagrada. Quem são os mascarados? Os seus nomes de aldeia e o da aldeia ou família a que pertencem? A própria família sabe que este ou aquele seu membro faz parte dos Zindunga? A falta de resposta-ou de poder responder - a estas perguntas, além das leis e regras que regem a instituição, é que lhe dão aspecto de seita secreta. Uma coisa é certa: nunca se houve pronunciar o nome seja de quem for. Nunca se ouve dizer: debaixo daquela máscara está fulano; sicrano e beltrano, etc., etc.... são Zindunga. Nada. Nadinha. Se os conhecem - e cremos que não - não o dizem. Nem sequer mostram curiosidade em o saber. Aquenta-os e corta-lhes a curiosidade o receio, até um quase terror, de que alguma coisa de mal lhes aconteça ou que os Zindunga os castiguem. Quando são convidados, e são-no, sobretudo, para os grandes funerais - cerimónias do MPOLO - o chefe dos Zindunga avisa os outros membros. Fazem entre eles, Zindunga, uma colecta que dê, pelo menos, para a compra de uma garrafa de aguardente e para que fique algum em numerário. O que se consegue é enviado por um mensageiro ao chefe de família da pessoa falecida e tanto serve para ajuda das despesas como para sinal de que aparecerão na solenidade. É para o chamado Lifundu (pl. Mafundu), como que uma espécie de dote. O chefe de família do defunto arquiva a dádiva reconhecido. Com antecedência suficiente os Zindunga preparam tudo o que lhes é necessário. A máscara há muito que está pronta. Mas a vestidura de folhas de palmeira é feita de novo.Bem a tempo, tudo fica em ordem. Não esquecerão aquela espécie de vassoura, aNsense. Para não serem reconhecidos, as deslocações fazem-se sempre de noite e com as maiores cautelas e silêncio. É pela meia noite que se deslocam. Em local escolhido e já préviamente preparado se escondem e vivem sempre que deixam o lugar das cerimônias e danças. Este recinto é cercado com folhas de palmeira, suficientemente altas e espessas, de modo a não permitirem olhares indiscretos. Aliás, entre os negros, o medo é grande. Instintivamente fogem do local onde estão escondidos os Zindunga e não se lhes atiça a curiosidade. Até para satisfazerem as suas necessidades, os Zindunga têm lugares escolhidos e suficientemente resguardados. Dentro dos cercados que lhes prepararam é onde descansam, dormem e comem à farta. Quem algum dia assistiu às danças dos Zindunga, contínuas e movimentadas, sob o peso e incómodo das máscaras e da vestidura de folhas de bananeira, admira-se de como é possível resistir-se tanto. Devem sair suados como toiros!... E, forçosamente, têm de comer muito bem e de não beber pior. Também nada se lhes nega, nada se lhes recusa. Para os outros pode haver falha de comida e de bebida. Mas com nada faltarão aos Zindunga até por que temem alguma maldição deixada por eles à partida. Não são os Zindunga as Bakama (esposas) do Nkisi-Nsi, os zeladores das leis de Lusunzi? Por isso têm de ser muito bem tratados. Terminada a festa, os ZINDUNGA voltam ao local «sagrado» da floresta. Regressam de noite. Antes, porém, o chefe de família onde se fez a festa pagar-lhes-á muito bem a actuação. Dar-lhes-á muito mais de 20º% do que deles havia recebido. Pagamento em dinheiro, aguardente vinho. O local onde os Zindunga têm as actuações, do género que acabamos de descrever,chama-se Zindunga zisambi - Lugar onde os Zindunga choraram o defunto. Mas os Zindunga não comparecem somente em funerais ou festas relacionadas com eles. Assistem também às festas do Nfumu-Nsi (chefe da terra, do clã) a fim de o abençoarem, depois da eleição e consagração pelo Nkisi-Nsi e reconhecimento por todo o povo. É que o Nkisi-Nsi é o espírito protector da terra, é o maior de todos, é o que toma perante os homens o lugar de Deus, urna vez que Este, sendo tamanho, imenso, e estando tão longe, não pode incomodar-se com os pobres mortais!... Os Zindunga são também os defensores da ordem e das leis. Estão estritamente ligados ao Nkisi-Nsi, ao Ntoma-Nsi e ao Nfumu-Nsi. Por isso,comparecem logo que o ou Ntoma-Nsi adoecem. Neste caso, a primeira reunião, dança e cerimonial, realiza-se no próprio local onde se encontra o Nkisi-Nsi, ordinariamente, como já sabemos, no maio da floresta ou em lugar ermo. Ninguém pode assistir a essa primeira “prece” junto do Nkisi-Nsi Chamasse a isto o Kubila Kinkisi-Nsi - Saudar o Nkisi-Nsi (para que cure o doente). Tem lugar pela meia noite esta dança-prece. A dança é intercalada de comes e bebes.Continua secreta a reunião e a dança. Nem as pessoas de família lá são permitidas. Conferenciam entre eles. Já saberão, mais ou menos, pelo que lhes disseram a respeito do doente ou por que algum deles o foi ver, se é muito grave ou não o seu estado; se há probabilidades de que tudo passe em nada e não passe de um susto; se pode haver a possibilidade de se juntar ao activo da instituição um “milagre”! Far-se-ão tanto mais caros quanto mais provável é o dito “milagre”! Ao cantar do primeiro galo, depois de conferenciarem, vão descansar. De manhãzinha, o Chefe dos Zindunga vai falar com o doente - o Ntoma-Nsi ou Nfumu-Nsi - e levá-lo a convencer a família de que é necessário apaziguar o Nkisi-Nsi ou atrair-lhe a sua bênção. Ora, o apaziguamento do Nkisi-Nsi ou o atrair as suas bênçãos sobre alguém – conforme os casos - só se consegue através da actuação dos Zindunga que, como o doente bem deve saber, são as «esposas» do Nkisi-Nsi. Por outro lado, os Zindunga só podem dançar, actuar, comendo e bebendo bem e sendo bem pagos! E daqui se não sai. Antes do mais, antes das danças e actuação dos Zindunga, impõe-se urna reunião pública a que assistem já todos os Zindunga, devidamente mascarados. O doente é colocado sobre uma esteira - nkuala. Cada um dos Zindunga, um por um, enquanto os outros redopiam e dançam, vai junto do doente e, num arremedo de dança individual circula à sua volta. É uma forma de o abençoar - Kuvana miela. O doente, tanto quanto lhe é possível, e já escolhem quase sempre ocasião em que o pode fazer, ergue o tronco e levanta as mãos ao céu em sinal de agradecimento. Os Zindunga, seguros do êxito, continuam por mais dois ou três dias nessa «boa vida», a comer, beber e a ser muito considerados. Depois de também muito bem pagos, voltam à vida normal. A esta cerimónia se costumava chamar Vakuisa Nfumu-Nsi ou Ntoma-Nsi - Fazer pagar o tributo ao Nfumu-Nsi ou Ntoma-Nsi. Se contra toda a esperança e depois de todo o cerimonial dos Zindunga o Nfumu-Nsi ou Ntoma-Nsi vier a falecer, não há problema. Morreu? Foram os bandoki, as almas do outro mundo, que o levaram! Salvou-se? É «milagre» deles, do Zindunga, está mais do que visto! Os Zindunga com o Ntoma-Nsi aparecem sempre na dança MBUMBA-MBITIKA, a dança a que são obrigados os fornicadores, quando a falta é cometida com rapariga que ainda não passou pela «casa da tinta» (pela Nzo-Kumbi). São obrigados, os infractores - ele e ela - a dançar nús, ou apenas com umas fracas folhas a cobrirem o sexo, e que acabam por cair durante a dança, diante de todo o povo da aldeia. Também não falta gente vinda de fora. O caso torna-se público e assim é necessário para melhor apaziguar o Nkisi-Nsi Ao ritmo da música da dança Mbitika - Mbitika-Mbítika ié, Mbítika-Mbumba Mbítika ié são batidos e fustigados pelos presentes, incluindo os Zindunga.Imagine-se o tormento. Não são, ainda hoje, comuns estas faltas. É que o terror que inspira esta dança acalma os mais e as mais fogosas.São faltas contra o Nkisi-Nsi. É preciso guardar pura a raça. E para a. continuação da raça a mulher só se pode dar depois das cerimónias da Nzo-Kumbi. E, para velar pelo cumprimento dessa lei - de Lusunzi e do Nkisi-Nsi - lá estão os Zindunga e o Ntoma-Nsi. Pode ver-se por quanto fica esta «brincadeira» aos delinquentes e respectivas famílias. Não havia caça, nem chuvas, nem pesca? Era por causa dessas faltas. Que apaguem o mal e apazigúem o Nkisi-Nsi para que voltem as coisas ao normal: que volte a chuva, se apanhe caça, se pesque, etc. O mesmo Ntoma-Nsi e Nfumu-Nsi têm a máxima consideração pelos Zindunga. Estes, até certo ponto, porque são as esposas - bakama - do Nkisi-Nsi, são superiores a eles. Portanto, cautela com o repartir das coisas: dinheiro, aguardente e mais bebidas...Se os Zindunga não se julgarem suficientemente bem pagos e remunerados, pode bem ser que acarretem males e desgraças sobre o Nfumu-Nsi e Ntoma-Nsi. Segundo a Tradição do povo de Cabinda - Bauoio - a instituição dos Zindunga foi inspirada por Lusunzi. Por isso, como veremos, posto que o primeiro mascarado tenha o nome deMABOBOLO, o verdadeiro chefe dos Zindunga é chamado Nganga-Lusunzi (sacerdote de Lusunzi), Ao Nganga-Lusunzi compete o velar e zelar, com os mais Zindunga, por todos os actos espirituais, pela moralidade do povo e bons costumes antigos. Os Zindunga eram invioláveis em todos os seus actos. A sua autoridade, absoluta. A sentença que deles proviesse, dada pela voz de um deles, voz fingida para não ser reconhecida, era irrevogável, mesmo que fosse sentença de morte. E era prontamente aplicada. A comparência dos Zindunga, além das ocasiões mencionadas atrás, podia serprovocada pelos motivos seguintes: 1. - Actos ofensivos à povoação do Kizu (sede dos Zindunga de Cabinda, a ROMA DOS BAUOIO como lhe chamou o falecido A. J. Fernandes) ou às outras povoações dotadas de Zindunga. Essas ofensas, na crença deles, podiam provocar a falta de chuvas, da pesca, da caça,etc. 2. - Falta às leis de Lusunzi, à moralidade pública, no que diz respeito a actos sexuais cometidos com raparigas antes de passarem pela «casa da tinta»; faltas a certas leis conjugais (v. g. relações sobre o solo, relações com pessoas do mesmo Mbingo, etc.,etc.) 3. - Se do Kizu (Kinzazi, Ngoio, Susu, terras que possuem os Zindunga) os Zindunga podem rogar pragas e trazer malefícios, seja para quem for, também podem prodigalizar bênçãos e libertar de todos os males. E lá se juntam ou são chamados para as doenças dos grandes chefes. As pessoas de poucos meios não o podem fazer. 4. - Por actos de simples representação: aniversários de festas, solenidades públicas, nomeação de algum grande chefe. 5. - Em calamidades públicas, que sempre se atribuem à falta e malícia dos homens:carência de chuvas, sol tórrido, seca das plantações, ausência de caça e de pesca, etc.,etc. Nos casos de falta às leis de Lusunzi, injúrias ou actos ofensivos contra os Zindunga (ou povoações em que têm a sua sede), em calamidades públicas, os Zindunga podem reunir-se por sua própria iniciativa. Nestes casos iam à povoação em que se deu o caso e precediam a sua actuação por actos de verdadeiro saque antes de serem recebidos pelo Nfumu-Nsi. Os ritos e espécie de rezas que fazem nos seus «santuários», e muitas vezes em florestas e com o Ntoma-Nsi, são de absoluto segredo. A isso se chama Lombe. Os actos públicos realizados nas povoações, resumindo-se em cantos e danças,chamam-se Kukina Mpuela - dançar a Mpuela. Quando apareciam em público, nas festas de representação, ao deixarem a terra benziam-na, bem como as pessoas e coisas, sobretudo instrumentos de trabalho, quer dos homens quer das mulheres. Havendo culpados, deviam comparecer, depois, no Kizu - ou povoação da respectiva instituição de Zindunga - e pagar a multa que lhes fosse imposta. Aliás, os Zindunga desceriam ao «povoado» e ficar-lhes-ia muitíssimo mais caro! O representante dos Zindunga recebia as multas. Em certos actos públicos os Zindunga costumavam evocar Lusunzi, Mboze, Nkanga, Lemba, Kalunga, etc., etc.
Os Zindunga estarão metidos no classificação de seita «aniotica», palavra derivada, dizem, da língua de Stanleyville e que quer dizer «homens-leopardos»? Destinavam-se - e ainda se destinam - a castigar os desvios dos usas e costumes tradicionais dos clãs. Empregavam disfarces, que permitiam a simulação de ataques de feras. Não temos receio de responder afirmativamente à pergunta que se faz, pelas razões seguintes: a) - Os Zindunga destinam-se, primariamente, a zelar pelas leis morais e sociais e a castigar os desvios dos seus usos e costumes. b) - Se as suas danças não são verdadeira m ente danças guerreiras, não é raro apresentarem-se juntamente com um grupo que executa essas danças, tendo a figura de um leopardo, feito em madeira, no meio do recinto. Para comprovação disto, pudemos fotografar uma dessas danças guerreiras. (Cf. em «Mpolo»),
OS QUATRO DIFERENTES GRUPOS DE ZINDUNGA QUE NOS FOI DADOCONHECER OS ZINDUNGA DO KIZU
O Kizu é a aldeia que se encontra no alto do morro do mesmo nome, fronteiro aCabinda e a nascente. Ao Kizu lhe chamava Roma dos Cabindas A. J. Fernandes.Ngimbi Nkonko, de uns 68 anos de idade, é o chefe e guarda dos Zindunga (o Nganga-Zindunga). Sabemos já que não são conhecidos da população os mascarados. São chamados, convocados para cada função. Passa de pais a filhos a honra de fazer parte dos Zindunga. No fim de cada actuação, a não ser que haja outra imediatamente a seguir é queimada a espécie de coroça, feita de folhas de bananeira com que se vestem. São cuidadosamente guardadas as máscaras e os panos que as ornam. Há para isso um lugar escolhido e escondido na floresta, lugar a que ninguém se atreve a ir, com pena de ficar cego, dizem, se se der com as máscaras fora de funções públicas. Despendemos muitas centenas de escudos para fotografar os Zindunga em função por nós provocada, e mesmo em outras funções de carácter público. Por dinheiro nenhum pudemos conseguir que nos fosse permitido ver o «santuário» onde eram guardadas as máscaras. A negativa de Ngimbi Nkonko foi acompanhada do «descurpa, ser os nosso costume» E nada feito. Ngimbi Nkonko diz que todos os dias vai ver e limpar as máscaras para as defender do salalé ou de qualquer outro insecto que as possa detiorar. Estão sempre ao abrigo da chuva. Certo é que as tem em óptimo estado de conservação. Esse cuidado é tanto mais necessário, quanto é certo que a madeira de que são feitas (Sanga-Sanga ou Sa-Sanga, Ricinodendrum africanum Mueel. Arg.) é fraca e levíssima depois de seca, e se trabalha e corta, como cabaça, quando verde. Na explicação das máscaras, acompanhou o Ngimbi Nkonko o André Tati Sebastião, de mais ou menos 66 anos. É o Nkotokuanda, advogado, da região e um como que Nganga-Nkisi do Chefe (Regedor) da aldeia da Nova Estreia. Concilia muito bem o cargo de Nkotokuanda com o de Nganga-Nkisi e de Conselheiro do chefe.
Os Zindunga do Kizu têm os nomes e explicações seguintes: 1. - MABOBOLO ou Nunu Kinguáli (Nunu Kinguáli - Chefe das perdizes). É o chefe de todos os Zindunga ou Bakama. Tem, no cimo da máscara, o carapuço Nzita, bem como uma bengala, a indicar a sua superioridade e qualidade de chefe.Leva na boca uma espécie de cachimbo a que chamam Mbonzo. Mas Mbonzo é um nkisi. Mbonzo: Kanga liambu ku nsia ntima. Mbonzo: Amarra (guarda) a questão dentro do coração, - Sê franco e não te feches em ti mesmo como o Mbonzo que guarda as coisas em seu recipiente. Este Mbonzo, dos Zindunga tem folhas (tidas por medicinais) de Lembe-Mpumbu, Malembozo e Ntélika-Ngolo. Esta máscara de Mabobolo tem um ar carregado e ameaçador. É quem manda nos outros, mas sem lhe faltar uma certa ronha de velho (Libobolo, pl. Mabobolo = Manhoso, preguiçoso). Mabóbolo, ngongie, nkuluntu ndunga. O Mabóbolo, anuncia o «ngongie» (instrumento para avisar o povo de que o chefe vai dar ordens), é o chefe dos Zindunga. 2. - MAMPANA Mampana ntuluku ngó, Bavuluka mu iluli vi lala zisusu, Kuiza bonga susu bakala buingi mungonde utula va mbulu. O Mampana é danado como o leopardo, Tratou de entrar na capoeira Para apanhar um galo e tirar-lhe uma pena da cauda para colocar na testa. Por isso se apresenta com uma pena no alto, na fronte da máscara. Outros dizem: Mampana, ngazi mbi, mângina mu vi sásulu. O Mampana, como é o mau coconote, não quer ir para a lixeira. - O que se tem a dizer, diz-se de caras, na presença das pessoas. Mampana está pelo dono do coconote, pelo senhor das coisas. 3. - KILAMBA Teria sido a máscara adicionada posteriormente Kilamba kikambua lisina: Nzambi ki si vanga ko. Planta Kilamba (ou outra) a que faltam as raízes: Deus não a fez. Deus, o que faz, fá-lo bem feito e sem que nada falte. 4. - KUMBUKUTU ou MATONA MAMBUAMBU Kumbukutu indica superioridade. Por isso o mascarado KUMBUKUTU se apresenta com a representação de uma pequena espingarda e de uma espécie de lança. É homem forte, cabo de, polícia que vai à frente em tempo de guerra. Mas, nem por isso, deixa de fumar a sua cachimbada! Pode notar-se que nas actuações dos Zindunga o KUMBUKUTU é quem mais se movimenta e finge agredir os presentes. Mas também é homem que se mete a tudo, mesmo a cozinhar, Por isso tem também a representação de um pequeno molho de lenha. Kumbukutu, livanga nsi: Kamana saka mavembo nsi fuili. Kumbukutu, trata da terra: Que se desprezares a terra ela acaba. Ou MATONA MAMBUAMBU (por ter cara bexigosa) Matona mambuambu: Podi bótula ko. As marcas de varíola: Não se podem tirar. Fica-se marcado para sempre. Há coisas que marcam a nossa vida para todo o sempre. 5. - VANGA NSI Vanga nsi: Na nhema ndaka. O que fez a terra: Entorta a boca (a quem não está de acordo com ele e não faz o que recomenda). Note-secomo a máscara tem a boca torta... Tudo o que diz sim ou não - é para se cumprir. Ou: Vanga nsi, nhema nsi: Kanhema bantu ko. Faz a terra, despreza (se queres) a terra: Mas não desprezes a gente. Sem ela nada és. Tem a representação de uma gancheta. Vana ka va baki koko: Tula lukondo: Onde a mão não chega: Emprega a gancheta. Usar meios proporcionados à empresa a que a gente se abalança. Leva ainda a representação de uma pequena canoa-buatu. Mamana kunsábula: Nandi kuiza kusakanena. Acabou de ser passado (no barco, e por favor): E começou a fazer pouco (de quem o passara). Há quem pague o bem com o mal. 6. - MBENGE MESO Olhos vermelhos. Na verdade, de vermelho-tijolo estão pintados. Mbenge meso lula kikazu: Bika nandi ka kólua malavu. Olhos vermelhos como que queimados pela noz de cola (a ficarem com a cor da noz de cola): Deixa-o que está bêbado. Bebeu vinho atiçado pela cola. Deixa-o! Traz a representação de uma parede-cumeeira (sem perdoar o cachimbo). A cumeeira está voltada em sentido contrário. Mbaka kuntelama: Babonso mamana ufuá v’ikanda uonso ko muntu ueki sakanena. Quando a parede está virada: É por que todos morreram na família e, assim, todos abusam. Ou: Dangamuna kendala: Ntelama podi ko. A parede cumeeira: Não pode virar-se ao contrário. Não se tira o direito a quem o tem, a razão a quem está de posse dela. 7. - DUENGIE MESO Olhos cerrados. Na máscara, o que corresponde às pálpebras, está pintado a negro. Dá, dessa forma, uma aparência de olhos fechados. Duengie meso, nkuluntu, umona. O Duengie Meso é chefe que vê. Está atento a tudo o que se passa sem nada deixar escapar, ainda que pareça estar de olhos fechados. Ou Duengie meso, olhos limpinhos, claros, que tudo vêem. Na boca, estão representados dois dentes. Minu seva luseva benu: Omo livanga mona. Estou a rir-me de vós: Tudo o que fazem eu vejo. As aparências nada indicam. Por isso, não se fiar nelas. 8. - MAKAIA MAKONDE-KONDE Makaia Makonde-Konde são as folhas secas de bananeira. Para nada servem. Delas nada se faz. Makaia Makonde-Konde ibutu mene: Kamana teka muinha mabangalangana. Folhas Makonde-Konde, só quando apanhadas de manhã: Que logo que apanham o sol ficam mirradas. Ou: Mabalangana Makaia Makonde-Konde: Va ke nkazi ko, ni muana ko. Minu dásuka. Estou como as folhas Makonde-Konde (mirrado de raiva!) Não atendo nem à mulher nem aos filhos. Estou zangado. Na sua actuação este Ndunga parece o diabo. Zanga-se por tudo e por nada. Repare-se que até é representado com um olho de cada cor! 9. - BENVO LUMUANA Benvo: = Dócil, respeitador, obediente: Benvo Lumuana: = Como uma criança obediente e respeitadora. Na, Benvo Lumuana: Nandi libakamba nlongie babika ndásuka. Ele é como um bom filho: Que aconselha a que se não zangue com ninguém. Tem um Kiela-Kiambavu (espinha do peixe-serra). Kiela-kiambavu: Mana kuenda kuntuala, minu kukiela to. Sou peixe-serra: Indo para a frente, corto mesmo. Ser obediente e dócil às leis, cortando e castigando onde for necessário. Até a escolha das cores para esta máscara lhe dá uma apresentação de suavidade o leveza. 10. - TENDEKELE Tendekele libá = São as palmeiras pequenas Tendekele mpáti = As moscas pequenas mpáti (mosca pedreira). Mas, lá por serem pequenas, não perdem o direito a ser bem tratadas. Tendekele mpáti bilengie: Va bele bantu, va vingina bantu. Não se despreza a mpati por ser pequena: Onde houve gente, outra gente lhe toma o lugar. Ninguém faz falta neste mundo. Vão uns e vêm outros, Não se despreze o que é pequeno, sobretudo as crianças. Elas virão a tomar o lugar dos que hoje são grandes. Respeitar os outros, por pequenos e fracos que sejam. Apresenta-se o mascarado TENDEKELE ordinariamente com uma pequena cabacita e a representação de um arco de subir às palmeiras para recolher o malavo (vinho de palma)ou cortar o dendém. Mizumbu ibulu katina ibá lamalavu: Lionso ko ibá nuá mangiembo. O animal Zumbu fugiu da palmeira do malavo (porque não era dele, certamente): Pois todo o que tem r palmeira bebe vinho de palma. Ninguém foge do que é seu. Traz consigo também um Kiela-Kiambavu. Estudando bem a “instituição dos Zindunga” podem resumir-se os seus fins no que seque: A) - Tomar parte nas grandes solenidades do clã e abrilhantá-las. B) - Atrair a «benção» do Nkisi-Nsi na festa da eleição - Kubiala - dos grandes chefesdo clã. C) - Afastar os Babimbindi e Bandoki - «comedores de almas» - nos funerais dos grandes da terra e, nos tempos presentes, nas festas do Mpolo. As danças guerreiras, sempre com movimentos agressivos contra um inimigo hipotético e ausente, não têm outro sentido e explicação. D) - Manter vivos os usos e costumes e castigar os que a eles faltarem. Quanto aos usos e costumes, leis morais e sociais - que querem sempre presentes no espírito de todos - sente-se essa preocupação na própria forma como os Zindunga se apresentam e vestem, rodeando-se de representações simbólicas, que acabamos de descrever, para que ninguém as esqueça. OS ZINDUNGA do NGOIO, KINZÁZI e SUSU
A - Os do NGOIO, antiga sede do Reino do Ngoio.
1. - MPUNGU BIAMA Mpungu Biama: Ulenda biama kumbusa. Mpungo Biama: Despreza o que vem atrás (o que fala nas costas, o que não é franco, leal). 2. - NGANGA BALONDA Nganga Balonda: Nandi likeba bantu bonso bikangila iandi. O Nganga Balonda: Tem cuidado de todas as pessoas que andam com ele. É o Nkotokuanda, o advogado que toma conta dos assuntos que lhe são confiados. 3. - TENDEKELE Tendekele: Lisanvi toka podi mona, Kaza lisina podi mona ko. Tendekele (Palmeira mesmo pequena): Só se lhe podem ver os ramos, Mas não as raízes. Ninguém sabe o que vai no coração das pessoas. 4. - MPENGIE IVIOKA Mpengie ivioka: Mpengie ivioka, deixa-me passar. Todos têm direitos (mesmo os doentes e aleijados) Por isso, a máscara têm a boca ao lado. 5. - MANTANDU Mantandu: lsitu ai tubakili ki kimueka. Mantandu (está por Muna Ntandu = na planície): Esta terra pertence a nós os dois. 6. - MAKAIA MAKONDE-KONDE Makaia Makonde-Konde: Mabangalangana be ko podí ko simbangana ko. Folhas secas de bananeira: Porque estão secas, mirradas, já não podem segurar-se, dar nada. Quem andou não tem para andar. 7. - MBEIA Nandi Mbeia babaia ka banti andi: Babaia ka Kakongo i Ngoio, Ele é homem desprezado por todos: Desprezado pelos de Kakongo e pelos de Ngoio. (Que se pode fazer de uma pessoa assim?) 8. - KILAMBA (Cf. nas do Kizu) 9. - MASUMBA Ono usumba ntoto nani? Befu bonso Nzambi imueka ituvanga. Quem comprou esta terra? Todos nós fomos feitos pelo mesmo Deus. O mundo é de todos e todos têm direito à vida. 10. - KUMBUKUTU Kumbukutu: Uiakana mabete manvula. Kumbukutu: A casa quando não tem tecto molha-se. Ou Kumbukutu: Lukunza kuakuaka bete lunvula. Kumbukutu: Quando faltam as lukunza (folhas da palmeira-bambu que formam a casa, o telhado dacasa) chove dentro. O povo com bom chefe é como telhado bem coberto: está sempre defendido.
B - Os ZINDUNGA do KINZÁZI
KINZÁZI é uma aldeia, ainda dentro das terras do Reino de N’Goyo, que fica quase naincidência das fronteiras Leste e Sul da actual República do Zaire. KI-NZAZI - A (terra) do Raio. 1. - KIZI (Tchizi) Nguli Zindunga A Mãe dos Zindunga. 2. - MABOBOLO (Cf. em Zindunga do Kizu) 3. - BEMBELE Bembele muana Menino obediente, dócil. (Corresponde ao BENVO LUMUANA dos do Kizu). 4. - IILU (Muna) IILU: Bakanga nsunga (vo nunga) ko. No nariz: Não se atam (ou amarram) cordões-feitiço (ou braceletes) - Cada coisa é para o que é. Na pintura da máscara pode notar-se uma espécie de anel, na parte superior do nariz, já junto aos olhos. 5. - VUKILI VukiIi munu Ao que faltam os dentes (com que aspecto se apresenta e como pode comer?), 6 - NKANKA (espécie de esquilo) Nkanka unoka mvula: Ilianzi inanu. O Nkanka que apanha chuva: É que tem o ninho (buraco) longe (e ele não costuma arriscar-se a tal, está sempre, perto da toca). Se se tem família, está-se guardado e defendido. 7. - TENDEKELE (Cf. nos Zindunga do Kizu e do Ngoio). 8. - IENDE IENDE (umona) lubuázi: Va mbulu nkuékeze. Vai apontar (ver) a lepra: Na testa da tua sogra. Para que apontar o que toda a gente vê, lançar aos quatro ventos, falando, o que está à vista de toda a gente? Que se ganha em lembrar coisas tristes? A máscara mostra uma mancha na testa. 9. - NSUNGU Nsungu: Mi sungameze kuami. (Como o ) Nsungu: Estou presente (estou vivo a tomar posse do que é meu). Também tenho o meu valor. O Nsungu é um caurim. Serviu, em tempos, de moeda. Aparece a representação de um Nsungu na testa da máscara. 10. - MABUAKA MABUAKA makuba ilimbu O MABUAKA é o porta-bandeira. É o que sai à frente dos outros a anunciar a vinda dos colegas. É o homem - Ndunga - que se antecipa a todos e leva tudo quanto apanha. (É o da máscara mais escura).
C - Os ZINDUNGA DO SUSU
O SUSU é uma aldeia ainda em terras de N’Goyo. Fica na estrada do Subantando ao Kimbuandi a caminho da fronteira Leste com a República do Zaire. Estão em declínio os «Zindunga» desta aldeia. Não nos foi possível fotografar todas as máscaras. Mas, pela fotografia que apresentamos, pode adivinhar-se a que ponto desceu a «instituição» dos Zindunga do Susu. Também tinham 10 máscaras. Como o KIZU, NGOIO e KINZAZI haviam acrescentado mais uma ao número primitivo, que era de nove. Os nomes dos Zindunga do SUSU eram, praticamente, os mesmos dos do Kizu. Com que pintavam as máscaras? Com cores conseguidas ao modo da região. A cor branca é conseguida com Mpezo, espécie de giz ou cal. A amarela, com uma espécie de argila, género de ocra, chamada Ngunzi.É muito comum nestas regiões. A vermelha ou cor de tijolo consegue-se, precisamente, do pó de tijolo. Para isso friccionam-se dois tijolos, um contra o outro. A cor preta obtêm-na queimando e reduzindo a cinza muitíssimo fina o luango - papiro.Dá um negro muito intenso. Conseguido o pó que se julga suficiente é dissolvido muito bem em água, devendo ficar com uma certa consistência. A maior ou menor fixação da pintura à máscara (ou ao que pintarem) é conseguida pela mistura da seiva - liká linti - da árvore NUMBU. A seiva desta árvore é misturada com a quantidade de tinta obtida e proporcionalmente, está bem de ver, a essa quantidade.Actua como fixo-cal.
Não deixa de ser bem interessante e curiosa esta dita «INSTITUIÇÃO DOSZINDUNGA». O fim principal da máscara não é esconder alguém. É antes um sinal, uma representação de uma força invisível que vela pela comunidade. Em Pentecôte sur le Monde - n.o 59 - Out. de 1966 - pode ler-se:«Esta máscara (e refere-se às máscaras em geral) é concebida para ser usada no decorrer de certas danças ou cerimónias onde se pede a salvaguarda ou prosperidade da comunidade».

terça-feira, 13 de abril de 2010

ESTRUTURA SOCIAL
Os bantandu têm uma estrutura social que não é diferente da estrutura social congo. Eles se valem dos mesmos elementos constitutivos da sociedade de se valem todos os congos. Todo o universo social é determinado pelo traço de descendência e esse traço engendra toda a sociedade congo. A ligação com a mãe é o traço determina entre esses povos. Nesta visão acredita-se que só a mãe transmite sangue à criança através de seu cordão umbilical e a criança é mais ligada a sua mãe que a seu pai, que é quem lhe transmite o sopro da vida. O indivíduo existe sempre dentro da mãe e o papel do pai é mais socializador após o seu nascimento.
Da mãe, o indivíduo recebe o poder, a herança, as energias ocultas, o pertencimento à família. O pai é, pois o tutor até a autonomia da criança, quando ela passa para a autoridade do tio materno, o irmão de sua mãe de quem ele pode herdar tudo. O pai desse indivíduo deixará herança para seus sobrinhos filhos de suas irmãs.
ESTRUTURA TRADICIONAL
O clã (luvila) é um espaço teórico de pertencimento à família. É a identidade de base em que se assentam todas as pessoas vivas, mortas e que estão para nascer, numa filiação matrilinear, de acordo com as origens mitológicas congo. Assim, neste espaço definido, todos têm direito a um mesmo tipo de vida mesmo que não habitem juntos. O clã lhes dá um espaço de pertencimento familiar e uma referência identitária, individualizada e distinta por um nome próprio. Ter um nome de clã, para aquelas pessoas que não se conhecem à priori significa pertencer à mesma família, virem do mesmo ramo, da mesma fonte, pois de acordo com os costumes congos, as ligações do clã não se rompem nunca.
O clã se reconhece através da terra (n’toto) que é o bem de toda a comunidade e que representa o fundamento e a expressão da presença da comunidade
A terra, o território é uma verdadeira matriz dentro da cultura congo, sacralizada e inalienável, ela define a origem do clã e liga-se ao clã através do trabalho e da habitação. Um clã sem terra é obrigado a viver e trabalhar sobre terras emprestadas, reduzindo-se dessa maneira à escravidão. A terra permanece um bem de todos os membros do clã, por isso são estabelecidos tabus em torno da terra ou interditos que todos os membros do clã devem observar rigorosamente.
Em caso de conflito grave que precise a separação do clã e a repartição da terra ou plantações, a separação se dá sob uma linha imaginária, tendo como baliza uma árvore, sob a qual penduram panelas para demonstrar que a separação é noturna e diurna. A separação diurna se refere a toda atividade social que se dá durante o dia, e a separação noturna refere-se a toda atividade de feitiçaria.

A linhagem (kanda) reagrupa as pessoas descendentes de um mesmo ancestral, igualmente as que estão distantes e que não podem servir de referencia na organização das relações de assistência recíproca.
O ventre (kivumu) reagrupa pessoas que tem um mesmo ancestral no seio da linhagem e participam de uma vida comum, ou de solidariedade afetiva obrigatória e recíproca.
A mãe (ngudi) é um agrupamento de pessoas em torno de um ancestral direto ou de um mais velho vivo e responsável.
Governo da Casa (Nzo) é o menor nível de agrupamento do clã. É a unidade residencial que reagrupa as pessoas que não são filhos da mesma mãe, nem pertence à mesma linhagem, nem são do mesmo clã, mas se colocam todos sob a autoridade de um homem (de um pai)

quinta-feira, 11 de março de 2010

AS FAMÍLIAS DE SANTO NO CANDOMBLÉ DE CONGO-ANGOLA

AS FAMÍLIAS DE SANTO NO CANDOMBLÉ DE CONGO-ANGOLA

Em um artigo intitulado TOMA KWIIZA KYA KIZOONGA BANTU! NZAAMBI KAKALA YETO! de Taata Lubitu Konmannanjy – Unzó kwa Mpaanzu – Raimundo Nonato da Silva, publicado no site http://www.inzotumbansi.org/, o autor nos apresenta uma composição das famílias de santo pertencentes ao candomblé de congo-angola no Brasil.
Segundo ele, o candomblé de congo-angola compõe-se de cinco grandes famílias sendo a primeira delas a família de Maria Nené, Sra. Genoveva do Bonfim, seguida de Gregório Makwende, depois da família Amburaxó, do Sr. Miguel Arcanjo de Souza, da família de Mariquinha Lemba e da família Gomeia, do Sr, Joãzinho da Goméia, Tatá Londirá. Ainda segundo o autor, em entrevista dada a nós no dia 21.01.2010, na sede da Acbantu em Salvador-Ba., a família de Maria Nenê é de origem muxicongo, a de Makweende é de origem ovimbundo, a de Mariquinha Lemba é de origem kimbundo, enquanto a Amburaxó e a Goméia já nasceram misturadas com outras nações.
A partir dessas informações faremos uma pequena reflexão sobre a composição “étnica” do Candomblé de Congo-Angola no Brasil de hoje. Essa modalidade religiosa que se contrasta com outros candomblés de outras nações, como a nação de Ketu e de Efon, tendo como parâmetro as línguas rituais e o toque de atabaques, se ampara no mito das origens – fundadores de raízes- e na língua ritual assim como em certos ritos praticados em suas casas, como únicos e pertencentes só a sua raiz ou sua casa. Alguns têm idéias claras a respeito desses grandes agrupamentos familiares, mas a maioria apenas sabe a descendência de seu fundador, que pertencia inicialmente à determinada família, quando muito.
Existem no Brasil hoje uma maioria de casas de Candomblé da vertente Congo –Angola e podemos enumerar as principais raízes, como sendo o Tumbeici, cuja fundadora foi Maria Nené –Maria Genoveva do Bonfim, Mameto Tuenda Dia Nzambi era gaúcha de nascimento e foi iniciada por Roberto Barros Reis, um liberto de Cambinda, provavelmente no início do século XX. Segundo o depoimento oral dos antigos era mulher muito enérgica, de semblante fechado, riso difícil, mas de caráter irrepreensível e bom coração, como prova o ato de adotar inúmeras crianças, alguns falam em 17 outros em 21, que criou como filhos até a fase adulta. Exercia a profissão de corretora de imóveis e Edison Carneiro a coloca na galeria das Sacerdotisas mais amadas da Bahia da sua época. Durante a perseguição movida pelo delegado Pedro Gordilho ao povo-de-santo, conta a história quase lendária que Maria Neném foi a única a nunca ser molestada pelo delegado. E que inclusive, corajosamente colocou em sua casa uma placa com os dizeres – cá te espero –numa clara afronta ao poder do sanguinário delegado. O terreiro Tumba Junçara fundado por Ciriáco, o Bate-Folha Salvador, fundado pelo lendário Manuel Bernardino da Paixão, o Kupapa Unsaba do Rio de Janeiro, fundado por João Lessengue, nos anos 30 do século XX.
Sendo assim, todas essas raízes pertenceriam a família de Maria Genoveva do Bonfim, pois Manuel Ciriáco e Bernardino da Paixão foram filhos diretos de Maria Nenê, e João Lessengue foi feito ritualmente por Manuel Bernardino da Paixão, tornando-se dessa maneira neto da fundadora. Também pertence a essa família outra raiz importante, o Viva-Deus, do Sr. Feliciano, cujo nome é mesmo Terreiro Viva-Deus, está situado na Estrada das Barreiras 1233E – Bairro Cabula Salvador-Bahia. Foi fundado em 1946, pelo Sr.Feliciano Alves dos Santos, que era marinheiro de profissão, mas também era Babalorixá, filho de Oxalá com Omolú, e tinha como digina Orisasi. Importante destacar que Feliciano era de nação Ketu, de uma linhagem do recôncavo, e que tal linhagem ainda existe com casas em vários estados brasileiros, conservando o nome inicial de Viva-Deus. Era filho de santo de Zé do Vapor, Babalorixá muito conhecido em Cachoeira, Cidade do Interior da Bahia. A primeira Nengua[1] do terreiro Viva Deus, junto com Sr. Feliciano, foi a Sra Francelina Evangelista dos Santos (D. Miúda), filha de Dandalunda, cuja digina era Diá Lubidi, ela sim, filha de santo de Maria Genoveva do Bonfim e que implantou os ritos congo-angola, no terreiro recém formado do Sr. Feliciano.
Todas essas raízes pertencem, portanto, a família Tombeici por terem seus fundadores saído das mãos da matriarca, sendo esse um traço que demarca a origem nessa e em outras vertentes do Candomblé.
Gregório Makwende é outra figura emblemática para o Candomblé de Congo-Angola. Filho carnal de Constâncio Silva e Sousa, angolano de nascimento, de quem herdou o terreiro, nasceu em 1874 e faleceu em 1934. Quanto a família de Makwende, segundo o próprio artigo citado, permaneceu inter-famílis, e só pertence a ela, de forma restrita, os membros carnais de descendentes de Gregório Makuende.
De Mariquinha Lemba sabe-se pouquíssima coisa, pois segundo os relatos orais e há poucos dados sobre a mesma em Edison Carneiro. Retratam-na como uma mulher de gênio difícil, não afeita a visitas de desconhecidos e muito menos de brancos. Sabe-se que constituiu uma grande família, da qual o articulista em questão faz parte. Há inúmeros descendentes dessa matriarca, mas a maioria das casas encontra-se em Salvador ou no estado da Bahia. Aqui no sul não temos conhecimento de descendentes de Mariquinha Lemba.
Quanto a família Amburaxó, do Sr. Miguel Arcanjo de Souza sabe-se que a maioria adotou os rituais da nação ketu e portanto, saíram da esfera do Congo-angola. Existem muitos descendentes do Amburaxó, mas a maioria continua executando os ritos da nação ketu.
Uma das maiores famílias de santo da nação congo-angola é a família Goméia. Espalha-se do nordeste em direção ao sul e sudeste e ainda hoje goza de muito prestígio de adeptos e de público.
João da Goméia, assim chamado por causa do nome do terreiro que dirigia em Salvador-Ba. veio para o Rio de Janeiro e aqui fundou um terreiro que se tornou célebre pelas suas festividades. Bailarino profissional, levou para o palco a dança dos deuses coreografada, freqüentou a mídia e tornou o candomblé conhecido através de seu carisma. Formou talvez a maior família de candomblé congo-angola apesar das muitas críticas que recebeu e ainda recebe mesmo após sua morte. Principalmente no Rio de Janeiro e São Paulo há muitos descendentes de João da Goméia e que se orgulham por sê-lo.
Nessa enumeração das famílias postado em artigo por Raimundo Nonato da Silva gostaríamos de tecer alguns comentários que me parecem pertinentes na tentativa de esclarecer alguns pontos que nos parecem obscuros.
Tomemos como ponto de partida, que a história dos candomblés em geral e dos candomblés de congo-angola em particular não foram ainda escritas. Do candomblé de ketu já há algumas obras publicadas e do candomblé de gege, apenas uma, mas do candomblé de congo-angola tudo permanece no terreno da oralidade, o que dificulta em muito conhecer as verdadeiras origens e raízes de cada segmento.
Um outro ponto a ser considerado é que não existe unanimidade nas histórias de cada raiz. É chamado pelos angoleiros de raiz ou Ndanji cada grupo de casas que pertençam ao mesmo fundador. Assim sendo, existiria a raiz Tumbenci, a raiz Tumba Junsara, a Raiz Bate-Folha, a raiz Viva-Deus e talvez outras. Aliás, cada raiz advoga para o si o maior grau de pureza, de proximidade com os ritos africanos, à fidelidade aos padrões e ritos aprendidos, e não existe um conceito de congregação religiosa como em outras religiões. Há sim, muitas disputas e dissensões, agora explicitadas com maior clareza no âmbito da internete em comunidades de páginas de relacionamento, onde os membros procuram minimizar a força de outras casas ou de outras raízes com o intuito de valorizar mais as suas. Há na verdade, no cotidiano candomblecista, um fenômeno chamado “fuxico” que se constitui em tudo saber, tudo comentar, tudo criticar, e que funciona como cimentação necessária para a sobrevivência de uma religião sem fontes escritas. Como se trata de valorizar a palavra do “mais-velho” há muitas histórias controversas que circulam com ares de verdade, logo desmentidos por outros, esses sim, segundo eles, os melhores e maiores conhecedores da verdadeira história, e assim, o “fuxico” circula, criando novas histórias e novas versões para um mesmo fato. Sempre há nas rodas de conversa em candomblé, alguém que conhece “melhor” um fato narrado por alguém e pode e deve fazer a complementação necessária para o acontecimento, ou porque conheceu as personagens ou porque conheceu alguém que presenciou o evento em questão.
Nas comunidades de relacionamento da internete, que de certa forma substituem as longas conversas nos terreiros, há inúmeras polêmicas e discussões a respeito de atos litúrgicos, maneiras de cantar, o que é certo ou errado, e é claro, a casa dos outros está sempre errada, a certa, a correta, a mais tradicional é sempre a de quem faz uso da palavra. O candomblé que era restrito a atividade inter-murus, hoje espalha-se por um meio de comunicação popular, lugar onde todos têm a oportunidade de expor suas idéias e dar prosseguimento ao “fuxicos” do terreiro. Numa sociedade sem provas documentais e sem historiadores dispostos a levantar essa história, o que vale é a palavra como legitimador dos saberes.
Vejamos a composição das famílias de santo e suas respectivas composições lingüísticas para tentarmos elucidar a fala de Raimundo Nonato da Silva. Ele afirma em seu artigo que são cinco famílias, sendo uma de origem muxicongo, outra de origem kimbundo, outra de origem ovimbundo e duas que já nasceram misturadas com a nação de ketu, não tendo portanto, uma identidade muito definida. Fiquemos, por enquanto, com as três cujas identidades são de origem bantu sem mistura, pelo menos num primeiro momento. As três origens que ele dá, muxicongo –de fala kikongo –Maria Nenê, a outra família teria sua origem no meio cultural ambundo – de fala kimbundo – Mariquinha Lemba e a terceira como de língua ovimbundo – Gregório Makwende.
Parece-me que o articulista chegou a essas conclusões a partir de uma série de reuniões que ele conseguiu realizar com o povo de santo angoleiro de Salvador-Ba. através da Acbantu - Associação Cultural de Preservação do Patrimônio Bantu - numa série de eventos denominado de Kizoonga Bantu no período de 11 a 14 de Fevereiro de 2003. Através dessas reuniões e cursos de língua kimbundo e kikongo pode-se colher dados importantes para se chegar a conclusão do que ele expõe no referido artigo, o que consideramos uma grande contribuição para se, aos poucos, conhecer melhor esse universo religioso.
No entanto, vemos com certa reserva as conclusões de Raimundo Nonato da Silva, tendo em vista os ritos e nomes ainda existentes no Candomblé de Congo-Angola e que foram registrados por Edison Carneiro (CARNEIRO: 1982) nos anos 30. Os ritos encontrados no interior das casas de santo, são em sua quase maioria de extrato congo, principalmente de Cambinda, como demonstramos em outro trabalho nosso.(ADOLFO;2010) O próprio termo Nkissi, sinônimo de divindade no universo lingüístico congo foi o que permaneceu e predominou no Brasil. Outros povos bantu chegados ao Brasil mantêm, em África, nomes diferentes para suas divindades, nomes que não foram registrados por aqui, pelo único etnólogo que registrou as manifestações culturais dos bantu na esfera religiosa. Se as famílias Mariquinha Lemba e Gregório Makwende fossem respectivamente do universo kimbundo e Ovimbundo, com certeza teriam nomes próprios para suas divindades, mas isso não acontece. Também, Edison Carneiro ao falar deles no seu Candomblés da Bahia (CARNEIRO;1982) nomeia-os como pertencentes a nação congo, juntamente com Manuel Bernardino da Paixão do Bate-Folha. Porque Edison Carneiro os dá como congos, se os mesmos eram Ambundos e Ovimbundos? Teria sido falha na observação do etnólogo, que convivia com as maiores autoridades do candomblé em sua época? Ou seus informantes também não conseguiam distinguir as línguas que falavam? São interrogações que ficam por enquanto em aberto a espera de pesquisas mais acuradas. No terreno das religiões bantu no Brasil, sobretudo do Candomblé Congo-Angola, tudo está ainda por ser feito.
Creio que uma possível explicação esteja na questão da língua ritual. É possível que uma porção maior do vocabulário das casas de Mariquinha Lemba seja de origem kimbundo, assim como a casa de Makwende use mais do Ovimbundo, para praticar os mesmos rituais da família Maria Nené. Continuamos acreditando que o candomblé de congo-angola praticado no Brasil tenha suas raízes mais profundas nas terras de Cambinda, com apreciáveis contribuições de outros povos. E a chegada de escravizados não obedecia a nenhum critério menos ainda o das linguagens. Aliás, havia uma política de se misturar indivíduos de grupos lingüísticos os mais diferentes para que todos só tivessem como meio de comunicação a língua portuguesa, evitando assim fugas e sublevações. Nesse contingente populacional circulavam línguas africanas diferentes com predomínio de umas sobre as outras de acordo com a quantidade numérica dos falantes. Claro que, acreditamos que aconteceram importantes trocas lingüísticas até porque todas as línguas tinham um tronco comum que era a raiz bantu, apesar de serem línguas, se aparentadas em alguns pontos, muito diferentes em outros.
Assim como houve misturas lingüísticas também aconteceram acréscimos e supressões de determinados ritos, alguns já pouco lembrados como conseqüência do rapto, da captura, dos duros dias a espera dos navios e finalmente a viagem penosa e o mercado de escravos no Brasil. Traziam na lembrança e no coração seus ritos e memórias, mas agora intervalados pelos duros dias iniciais de cativeiro e pela difícil vida do trabalho escravo. Restabelecer os laços com a África e com um passado perdido encontrou na religião um refrigério para os que haviam perdido a liberdade lá do outro lado do Atlântico e não viam nenhuma saída para mudar a situação em que foram colocados pela condição servil.
Voltando a questão das cinco famílias enumeradas por Raimundo Nonato da Silva, acrescentaríamos que há candomblés que não foram enumerados nessas famílias. Para citar apenas três, a raiz de Nanã de Aracaju, com ramificações importantes em São Paulo-Sp. através de Mãe Manadeuí (PRANDI:1991) e outras casas da mesma raiz, e o Tombeici de Ilhéus, fundado ainda no século XIX e portanto anterior ao Candomblé de Maria Nenê. É necessário que se descubra a origem da casa de Nana de Aracaju, que permanece aberta no mesmo local de sua fundação, e segundo notícias, desenvolve importante papel social na cidade, assim como o do Tombeici de Ilhéus, com uma intensa programação cultural e ainda, uma outra raiz na cidade de Nazaré das Farinhas-Ba. chamada de Congo de Ouro, da qual temos notícia apenas por ouvir dizer.
É importante frisar que a organização social e familiar entre os bantu em África se organiza em torno dos clãs, que é um conjunto de famílias sob a descendência matrilinear. Um conjunto de clãs de ancestral comum se estrutura em Kandas, cujo fundador é comum a todos os membros da kanda. Uma primeira unidade seria o clã e uma unidade maior seria a Kanda.
Parece-nos que esta estrutura permaneceu no Brasil na esfera dos cultos religiosos. Cada casa de santo formaria um clã, enquanto as famílias seriam as kandas, dada as características apresentadas.

“Comme dans de nombreuses sociétés bantoues, deux cadres fondamentaux régissent lá vie: populations kôngo em general, et dês lari em particulier: Il s’agite d’abord de l’intistitution du kánda, Le matrilignage – terme que l’on traduire schematiquement par famille – (...) (Nsondé:1999, pg.29)

Por exemplo, a kanda de Maria Nenê é formada a partir de um ancestral comum, ela própria enquanto fundadora, e o ancestral mítico, o Nkissi Kavungo. As várias raízes, pertencentes a essa kanda, como o Tombeici, O Tumba Junsara, com suas várias ramificações, o Bate-Folha de Salvador e o Kupapa Unsaba do RJ seriam os clãs. Os laços de parentesco permanecem no terreno religioso porque os familiares desapareceram por efeito dos horrores da escravidão. Reconstruiu-se dessa maneira, nos terreiros religiosos e nos espaços sagrados a organização social do povo bantu e assim permanece até hoje.
Quanto ao clã, vale a pena ouvirmos João Vicente Martins em seu trabalho sobre os bakongos:

“Como já referimos, a base da organização social bakongo ou Tukongo é a família e a ela pertencem todos os parentes, razão pela qual todos os elementos familiares estão sob a alçada e autoridade de um “mwata” (chefe), assistido por um ajudante. Por sua vez, todas as aldeias ou clãs estão subordinados ao “fumo” (chefe de etnia). (MARTINS: 2008, Pg.240)

Portanto, de acordo com nossa argumentação podemos ver que cada terreiro está sob a guarda de um Sacerdote (Nganga) que exerce o poder total sobre a população daquele terreiro, mas não tem nenhuma jurisdição sobre os outros terreiros. Na organização do Nzo, forma-se uma rede de auxiliares, mas o chefe principal é sempre o Pai-de-Santo, que por sua vez, só deve submissão a chamada Casa Matriz, local e sede da Kanda.
Sendo assim, as kandas enumeradas por Tatá Komaneji deverão receber novas irmãs na medida que os estudos sobre os angoleiros começarem a ser desenvolvidos.
O trabalho da Acbantu é pioneiro na área e poderá render outras pesquisas de igual teor, uma vez que Raimundo Nonato da Silva é historiador e poderá desenvolver pesquisas mais detalhadas e profundas na área. Aguardemos novas descobertas, interessantes e sérias como essa, vindas da parte da Acbantu.
REFERÊNCIAS
CARNEIRO, Edison. Candomblés da Bahia. São Paulo: Editora Tecnoprint, 1982.

MARTINS, João Vicente. Os bakongos ou tukongos do nordeste de angola.Lisboa:Imprensa Nacional-casa da moeda, 2008.

MARTINS, Joaquim. cabindas – história – crenças – usos e costumes. Disponível em http://www.cabinda.net.

PRANDI, Reginaldo. Os Candomblés de São Paulo. São Paulo: EDUSP, 1991
http://www.inzotumbansi.org/,
[1] A respeito das nomenclaturas dos cargos e funções no candomblé congo-angola ver em capítulo 4