sábado, 18 de julho de 2009

COSMOGONIA, FEITIÇARIA E MAGIA ENTRE OS BAKONGOS

http://avatarpage.net/racines.html#coskong
Cosmogonie, sorcellerie et magie chez le Bakongo..
COSMOGONIA, FEITIÇARIA E MAGIA ENTRE OS BAKONGOS
Tradução livre do Prof. Dr. Sérgio Paulo Adolfo - Kindudulu
No momento, utilizaremos a palavra Kongo no que se refere as populações bantu chamadas Bakongo (pl.) originárias do antigo reino do Kongo que compreende os dois Congos (ex Belga e Francês), assim como o país de Angola e a atual Cabinda. Sendo assim, os cultos sincréticos afro-americanos que serão analisados trazem emblematicamente em seus nomes os termos de Angola, do Congo ou mesmo de Cabinda, Mayombe ou qualquer outra região do ex-reino do congo, que serão os nomes diferenciadores e que os distinguirão, como cultos de origem bantu, em contraposição aos cultos de origem yorubana.

A cosmogonia kongo tal como as cosmogonias yoruba e voduns repousa sobre a crença num Deus único (Nzambi mpongo) criador do céu, das estrelas, da lua, do sol e da terra. Ele criou também a natureza e suas forças, os animais, o homem e a mulher. Deus ensinou aos últimos o segredo dos minkissi, dos makutos( amuletos) e do nganga. Feito isso, retirou-se para o céu levando consigo seu lado negativo, Lugombé, facilmente identificado como o diabo, mas que na verdade é apenas a polaridade opositora para que seja mantido o equilíbrio entre o mal e o bem.

Como nas demais cosmogonias, o Deus único deixou entidades intermediárias para velarem pela sua criação. No nosso caso, os equivalentes aos orixás são os Kimbungulu(pl. De mpongo). Entretanto, as relações entre os homens e os kimpungulu não se dão da mesma maneira que seus vizinhos yorubanos, pois entre os congos, o pilar central do fenômeno religioso se constrói numa relação fortemente impregnada de magia que repousa sobre os ancestrais e sobre lugares específicos como os rios, cascatas, fontes, etc. que são habitadas pelos gênios ou espíritos próximos dos ancestrais, colocados a serviço da comunidade, dentro de uma metodologia bem codificada.

É necessário compreendermos que a religião bantu, tal como a dos yorubás e voduns não tem muita coisa a ver com nosso conceito de religião. As religiões africanas deverão ser vistas como um conjunto de práticas rituais e crenças que lhe permitem ao indivíduo esperar que para além da morte estarão perpetuados os laços com os ancestrais que foram elevados à condição de divindades. Nesse sentido, os ancestrais, as divindades e os espíritos são os guias destinados a ajudar o homem na sua caminhada pela terra. A grande preocupação das crenças africanas é concreta e pragmática : é a preservção da família e do clan.
Entretanto, se essas forças podem ser usadas para o bem e podem também ser usadas para fazer o mal. Todas as forças colocadas em circulação pelo culto congo tem como prioridade a magia sobre a religião.

Dentro desse universo mágico religioso há papéis muito bem definidos. Há os iniciadores, os intermediários, os destinatários. O fundamento do sistema se apóia sobre uma especialização das funções, seja no domínio privado ou público. Esta especialização também se estende aos intermediários espirituais que serão utlizados, pois podem utilizar-se das forças, dos espíritos, dos fantasmas, etc. Assim, toda ação de magia terá a intervinência de um sacerdote (feitiçeiro ou mágico do bem), uma entidade intermediária (ancestral ou espírito local) e um destinatário, a coletividade ou o indivíduo.


No domínio público, muitas vezes, envia-se um malefício para o clan ou o grupo social pelas mãos do próprio chefe da vila ou dos anciãos. Para isso eles se utilizam das energias dos ancestrais, no sentido de proporcionarem uma lição àquelas pessoas, e não propriamente no sentido de prejudicá-las. Para tal, concorrem os serviços dos bisimbi (pl. De simbi) que são os espíritos locais benevolentes, com tarefas particulares.

No sentido privado, os atores são também especialistas. Para enviar uma magia negra o feiticeiro ou Ndoki coloca a seu serviço um fantasma (nkuyu) que geralmente é uma alma errante de um antigo feiticeiro ou um membro da tribo que por não ter uma vida respeitável ou por ter se suicidado, não se encontra no mundo dos ancestres. Opondo-se ao feiticeiro posiciona-se o Nganga que vai intervir para realizar os desejos de seu cliente que está sendo prejudicado pelo Ndoki. O nganga vai construir um Nkissi e nele transmitir sua magia. O nkissi constitue-se numa estatueta antropomorfe ou zoomorfe carregada de materias mágicos constituidos de matériais minerais, vegetais e animais carregados de força mágica. Esta estatueta chama-se bilongo.

Na sociedade congo, certos acontecimentos como por exemplo, a morte de uma criança nunca são vistos como coisas naturais, mas sim pelo efeito de feitiçaria resultado da ação de um feiticeiro ou de um ancestral descontente com os seus.
O feiticeiro é dotado de um orgão especial chamado kundu que tem a capacidade de comer a alma de outras pessoas. Qualquer individuo pode ter esse poder e nem saber disso. Nem todos os nganga conseguem ver esse fenômeno nas pessoas, apenas o nganga advinhador é capaz disso, chamado de Nganga Ngombo. Os individuos suspeitos passam por uma prova, ou seja tomam determinadas substâncias que farão com ele será condenado ou absolvido dessa acusação.
No exílio nas américas vemos que a população congo rompeu com parte dessa tradição, pois os laços com os clãs e linhagens foram quebrados. Assim sendo, a magia religiosa ligado aos clãs e linhagens foram totalmente esquecidas sobrevivendo apenas a magia religiosa ligada ao indivíduo.
Como resultado temos duas consequência principais : em certos casos a religiosidade bantu sincretizou-se com outras formas de magia africana como a yoruba, adotando seus deuses (orixás) e mantendo alguma lembrança de seu culto original. Como efeito, os kipungulu, que tem como similares os orixás e os voduns, deixaram de ser venerados. Como consequência, a religião dá lugar a magia e a feitiçaria.
Os nganga passam a ser consultados apenas para resolver os problemas sentimentais, financeiros, de saúde, ou por outros assuntos do cotidiano.
Igualmente, por esta vulnerabilidade, que o culto de Angola, no Brasil, agregou em seu panteão os ameríndios, dando nascimento ao candomblé de Caboclo.

O Palo cubano permanece a forma menos alterada do sincretismo de origem congo na américa latina. Entretanto, não se podemos perder as referências ancestrais de linhagem e do espaço africano no culto original do Congo. Assim, o Palo terá também a tendência de se transformar numa magia do privado em detrimento do coletivo. O nganga em Cuba prepara o recipiente contendo as matérias constitutivas da magia, chamado de prenda e coloca pequenos pedaços de pau que acabaram dando nome ao culto.
O termo nganga atribuido ao sacerdote em África tomou lugar no Mayombe de Nganga judeu quando trabalha com magia negra e Nganga cristão quando se trata de magia branca. A magia branca e a negra sao manipulados por todos os paleros, mas dificilmente um palero admite que trabalha com magia negra.

Em cuba, o termo nkissi seguidamente traduzido pelo termo Inquice é utilizado não mais para definir o recipiente ou o feitiço mas por assimilação ao NKissi (recipiente) bilongo (carrego mágico que contêm os espíritos) a palavra Nkissi acabou por definir os espíritos ou entidades, ou seja, os Kimpungulu propriamente ditos.

Os principais sincretismos encontrados da cultura congo nas américas são o Palo Mayombe de cuba, o candomblé angola do Brasil, assim como o candomblé de caboclo, que recebe os ameríndios, o culto Obeah das antilhas britânicas, o Hoodoo ou Conjure dos Estados Unidos da América, o Kumina jamaicano.


Observação do tradutor :

No Brasil, no candomblé de Congo-Angola também denominamos Nkissi a todas as divindades, tais com em Cuba. Os kimpungulu são chamados no Brasil de Nkissi (plural Minkissi)

segunda-feira, 13 de julho de 2009

à propos des masques http://www.piedsnussurlaterresacree.com/article-25123966.html

à propósito das máscaras

tradução livre do Prof. Dr. Sérgio Paulo Adolfo




A arte primitiva africana não deixa ninguém indiferente, porque ela provoca no observador um largo espectro de emoções, além da serenidade, do maravilhamento, seguido de uma sensação indecifrável, de atração e de perplexidade. Está arte é a fonte da humanidade e permanece imutável através dos tempos apesar das vicissitudes por que tem passado o continente africano. Sua mensagem se inscreve na universalidade.
Cada máscara é um livro de magia aberto que fascina, que suscita a curiosidade, pois que nos convida a decifrar para descobrir de capítulo em capítulo a mensagem revelada. O escultor africano não tem o mesmo desejo que o escultor contemporâneo que sente necessidade de colocar sua assinatura na obra. Na África, a obra de arte não é propriedade de um escultor, mas é a expressão de uma etnia, de um povo e da divindade que utiliza a mão do artista para nela pousar sua essência espiritual num objeto profano.
Se o continente africano abriga uma grande variedade de cultura onde cada uma se caracteriza por sua linguagem, suas tradições e suas formas artísticas, a arte africana no seu conjunto, engloba e abraça por sua vez a história, a filosofia, a espiritualidade e os mitos. Ela traz consigo a alma de todo o continente. A arte africana não visa à representação, a imitação ou a figuração, mas a significação, o simbólico. Ela transgride a forma em proveito de seu conteúdo, de seu sentido ou o que ela exprime. A beleza desta arte vem de sua especificidade, uma estética do domínio do indizível, do domínio do re-sentimento, da sensação do choque que ela provoca.
A arte africana desperta primeiramente a função mais que a forma particularmente em certas etnias africanas. Com efeito, desperta a própria vida e suas manifestações, sobretudo por uma concepção mística e unificadora do mundo. Também, a beleza não é jamais almejada por ela mesma. Há uma preocupação fundamental de ligar o pensamento religioso e o objeto encarregado de exprimi-lo ou de servi-lo. Esses objetos são feitos por artistas que se colocam a serviço do culto dos ancestrais. Não se pode separar o valor plástico da obra de seu contexto social ou religioso. O papel último dessas obras é de mostrar nelas o invisível.
A máscara africana é vista, muitas vezes, pelos ocidentais, com olhares cheios de idéias preconcebidas e de julgamentos prévios. Ela não é um acessório de teatro nem um objeto de arte decorativa e menos ainda um acessório de feitiçaria. É, sobretudo um ser sagrado que utiliza-se do suporte material do homem, considerado então como um guardião, para aparecer e se exprimir. Ela não representa um ser: ela é um ser.

AS MÁSCARAS SAGRADAS representam uma divindade, uma força vital. Elas detêm os poderes religiosos. Elas exercem uma ação propiciatória ao trazer forças vitais benéficas (gênios, deuses secundários) que são os intercessores entre os homens e um deus difuso no universo. Elas exprimem a majestade, a sabedoria, o mistério das forças sobrenaturais que as animam. Elas são encarregadas de mostrar o invisível aos olhos humanos. Elas afastam as forças vitais do mal, elas protegem os homens das forças maléficas. Elas intervêm nas cerimônias: ritos de passagem, purificação, sacrifícios, iniciações, conjurações...elas desempenham um papel essencial no restabelecimento da ordem social. Elas representam os ancestrais e Deus, elas são boas e justas. Elas punem aqueles que trazem a desordem e a insegurança. Elas funcionam com o juízes supremos. Elas detêm os poderes jurídicos. Elas julgam os litígios, os problemas de família, dos clãs, das tribos. Estas máscaras só saem em acontecimentos importantes ou são guardadas em recipientes privados e sagrados.

AS MÁSCARAS PROFANAS são representadas por uma multitude de máscaras que se produzem em momentos de festa e divertimentos. Sobre as máscaras de divertimentos diríamos que elas representam os ancestrais do clã da família, visando a atrair a alma do ancestral e capitalizar sua essência vital. Imortais, eles, os ancestrais são os depositários de um patrimônio cultural. São quem contam as histórias, são a memória do povo. Eles formam uma sociedade hierarquizada, a máscara sagrada é acompanhada por uma plêiade de outras máscaras. Há a máscara guerreira encarregada da conquista e da defesa do território. Ela acompanha a máscara sagrada porque se trata de fazer a justiça em caso de perda. Por ocasião das festas ela é encarregada de supervisionar o comportamento de cada um para detectar os maus elementos. Há a máscara griot, que é companhia fiel da máscara sagrada. O griot é um cantor solitário. Ele louva a máscara sagrada. É também um espião, pois ele escuta, observa, e conta o que viu para a máscara sagrada. Ele influencia a máscara sagrada a ser mais clemente. Ele é também o cantor e historiador genealogista. Ele pode também dançar e é animador de todas as festas. Ele é indispensável para participar de acontecimentos como funerais. É um virtuoso da dança, pleno de vitalidade. Seguidamente é acompanhado do mascarado cantor. É enfim, o mascarado mediador:ele está presente em todos os níveis da hierarquia. Deve ser iniciado na arte da dança, do canto, da guerra. Ele distrai todo mundo com suas galanterias e seus ditos engraçados. Ele vai de casa em casa pedir alimentos. O portador da máscara deve ser sempre iniciado, sua identidade é sempre desconhecida, sua personalidade se desfaz completamente, pois ele é somente o suporte humano para que a máscara se torne acessível aos homens.
A máscara é um vetor essencial de reivindicação de uma identidade local, geralmente um benfeitor mítico da comunidade. Ele rege as coletividades, e completa uma função religiosa, política, econômica, histórica e terapêutica.

FUNÇÃO RELIGIOSA porque assegura a mediação entre deus, os ancestrais e os homens. Aparece nos ritos de passagem. É a protetora contra os espíritos maléficos. Muitas categorias de máscaras lutam ativamente contra a feitiçaria que é o principal agente de todos os males, das doenças e sofrimentos possíveis. O espírito associado ao mascarado possui a faculdade de detectar feiticeiros e os caçar. Essa função é dupla, pois vem acompanhada de uma ação punitiva, da erradicação do mal. Após a intervenção mascarada, os culpados caem doentes e podem morrer se não repararem suas faltas através de compensações, normalmente em forma de sacrifícios importantes. Em certos casos, o portador da máscara já é escolhido por sua capacidade de dupla visão e assim pode descobrir os agentes do mal. O espírito da máscara é utilizado para determinar a punição adequada.
- FUNÇÃO POLÍTICA porque a mascara garante a hierarquia social. Instância suprema para o regulamento de todos os problemas que podem vir a acontecer na comunidade. Ela faz respeitar a ordem e a justiça e intervêm em todas as decisões vitais. Como a máscara fala, ninguém pode contradizê-la. Suas decisões são inapeláveis. Os homens de poder (reis, chefes e outros dignatários) tem necessidade de garantir seu domínio e de o consolidar, por isso a ajuda das forças sobrenaturais é sempre bem vinda e nesse quadro as aparições dos mascarados correspondem a intervenção impressionante que os dirigentes tanto prezam.
Nada pode manter a população à distância dada à crença e o respeito que as populações tem pela máscara e o mascarado.

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FUNÇÃO SOCIAL porque mantêm a harmonia da comunidade e assegura a perenidade do saber. Assegura os laços entre os ancestrais e os vivos e traz para a vila as bênçãos dos ancestrais. As máscaras assumem regularmente o papel de policiais locais e supervisionam, dão o alerta, julgam e punem os malfeitores. A vantagem dos mascarados é que ao aplicar as punições isso é feito dentro de um total anonimato para o mascarado. Também é necessário atentar para verificar possíveis abusos por parte do mascarado que deve sempre agir com total senso de justiça. Para isso, ele, o mascarado está sempre também sobre a vigilância dos dirigentes políticos.

FUNÇÃO CULTURAL E EDUCATIVA porque as máscaras são depositárias da cultura de uma etnia. Os homens se sucedem, os povos desaparecem, a sociedade evolui, mas a máscara permanece após sua criação até o término de suas muitas mutações. Ela é a memória que permanece e que conta a evolução do povo. As máscaras transmitem um saber, ensinamento de linhas de conduta, aconselha e influencia. Elas representam os modelos admiráveis a seguir e dos quais os homens devem se aproximar. Elas concentram a ética de uma sociedade, sublinham as coisas importantes dessa sociedade, a serem seguidas ou evitadas. Na sua utilização elas veiculam numerosas mensagens dirigidas a todos, ou ao contrário, a um público reservado.

FUNÇÃO DE INICIAÇÃO porque os segredos ligados a sua existência fazem parte dos ensinamentos ministrados aos jovens iniciados. As sociedades secretas, na maioria masculinos, chamam os mascarados no decurso de seus rituais específicos. Alguns deles compreendem numerosos graus de acesso e são regidos por ciclos iniciáticos. Tornam-se assim possuidores de conhecimentos esotéricos que permitem a manipulação e o controle dos não iniciados.



FUNÇÃO FUNERÁRIA porque a intervenção das máscaras tem sobretudo um papel purificador. A morte introduz uma forma de desequilíbrio na sociedade, e isso é como uma mancha que deve ser lavada. As máscaras procuram a alma do defunto para a conduzir ao reino dos espíritos a partir do qual ele poderá se transformar em força vital e beneficiar seus descendentes.
Estas obras satisfazem o senso estético, mas vão além do senso estético, pois fornecem a visão de infinito espiritual, a beleza ou o terror. A máscara pode ser eficaz no sentido positivo ou terrorífica, mas sempre sagrada. A forma estabelece não mais que um jogo de forças secretas, de energias vitais. O estudo estético dessas máscaras variadas revela um interesse pela abstração, pelo apuro das formas e pela sabedoria.
A tradição de portar máscaras remonta as noites dos tempos e nos encontramos traços delas nos afrescos Du Saara (na Líbia) que remontam a 15.000 anos. As primeiras máscaras eram máscaras de animais levadas ao alto da cabeça, e os chifres dos bovinos eram elementos essenciais. Os dançarinos e as dançarinas se penteavam e se escondiam sob plantas vegetais, escondendo pernas, braços e o busto. O importante era se comunicar com as energias vitais e sagradas que regiam o mundo e assim assegurar a fecundidade e a continuidade .

AS MÁSCARAS ANIMAIS se diversificaram a partir do reconhecimento do papel que o animal exerce junto ao homem. O homem reconheceu em certa época longínqua a anterioridade do animal sobre o homem. Diferentes animais desempenham papéis nos mitos criadores e nos ritos de adivinhação. É um pouco mais tarde que a função da máscara se diversifica, como signo de diferenciação numa sociedade de iniciação, como proteção da tribo e serve aos guerreiros que se revestem duma vestimenta carregada de substâncias mágicas e o rosto recoberto de uma máscara, ou como cura das doenças. Os chifres animais e as máscaras meio-homem, meio animal subsistiram por longo tempo e tem como papel estabelecer uma relação com as forças irracionais que são aquelas sagradas. Os ornamentos nas máscaras são revestidos de significados múltiplos: de dialogar com os acontecimentos, de assegurar a proteção da família, de acompanhar os rituais de iniciação, de participar das festas da semeadura e da colheita, de livrá-los da morte, das guerras e das doenças.


Na maior parte do continente africano, a máscara permanece ainda em nossos dias uma das expressões privilegiadas que tem dado lugar a uma impressionante variedade de formas , de materiais e de estilos. Entretanto, é necessário não dissociar a máscara africana do restante da roupa, pois sem a roupa ela perde o sentido geral da mensagem. A máscara africana não pode ser considerada em apenas sua dimensão estética e artística, mas também a sua funcionalidade no seio da sociedade que a criou e que a utiliza num conjunto de artes sagradas que asseguram seu equilíbrio, objeto de eterna procura. Muitas vezes, separada de seu conjunto de vestimentas, de seus enfeites, de seu penteado, dissociada de seus acessórios de dança que a acompanham e que se constitui num de seus elementos, a máscara incontestavelmente perde sua significação mais profunda.


A máscara é também maquiagem, pintura corporal, fibras, folhas, peles de animais, tecidos, penteados...todos elementos que constituem um conjunto onde ela se insere, onde cada parte tem também sua significação.

Os materiais de predileção da maioria das máscaras africanas é a madeira, apesar de existirem outras de outros materiais, como fibras vegetais, cabaças, couro, tecidos, às vezes contas, caramujos, metais, marfim, resina...a escolha desses materiais não é aleatória: eles são escolhidos e associados em função da sacralidade da máscara ou do simbolismo que ela exprime. O escultor criador de máscaras trabalha geralmente fora da vila; ele deve observar os interditos muito sérios, passar por vezes por purificações, porque ele deve ser isento de toda impureza para poder fazer seu trabalho bem. segundo as regras. A máscara, ela mesma, a cada utilização é repintada por ser uma máscara policrômica, e a pintura é que torna a máscara “viva”. Durante os períodos cerimoniais as máscaras são conservadas, cuidadas, servidas e mesmo “alimentadas”.

Os principais locais das máscaras são na África ocidental e na África central. As formas variam de acordo com as áreas culturais e as etnias. Quanto aos usos e funções elas correspondem ao ciclo anual dos ritos agrários ( semeadura, colheita) e ao ciclo da vida. No ciclo da vida, dois acontecimentos são considerados essenciais: a iniciação e a morte. Nas cerimônias de iniciação dos jovens, as máscaras participam em diferentes etapas. Somente os pertencentes aquela etnia podem presidir a circuncisão, intervir como mestres iniciadores, revelando aos profanos os conhecimentos necessários a sua formação técnica, moral e social. Nesta ocasião, a máscara é envergada pelos mestres da iniciação que então poderão passar aos jovens iniciados o segredo das máscaras. Materialização de seres sobrenaturais ou de ancestrais, símbolo do sagrado, as máscaras presidem geralmente o encerramento do período de luto.Elas intervêm também nos casos de calamidade ou ainda, em casos de litígio, como agentes de controle social. Em certas etnias, elas são o apanágio do poder do chefe.


SIMBOLISMO DE ALGUMAS CORES DAS MÁSCARAS AFRICANAS

O BRANCO: é uma cor de passagem, a passagem da morte ao renascimento, a mutação de um ser. É igualmente a cor de Deus (ligado aos ancestrais) representam a luminosidade, a inocência, a pureza e a retidão. Essa cor é fabricada a partir do kaolin ou de cal esfarelado (outras vezes podem ser de casca de caracol, de casca de ovos, excrementos de lagartas ou de cobras sacralizada). Em certas vilas do norte do Nvari-Kwilu o kaolin significa luto, e só serve para decorar os túmulos.
O PRETO: é uma cor negativa, pois representa a morte, o anatemizado, o mal, a feitiçaria e o anti-social. É fabricado com o carvão de madeira. Na costa do Marfim, são feitos de folhas queimadas. Trata-se de um valor complementar entre os Igbos.
O VERMELHO: o símbolo é ambivalente, pois representa o sangue, o fogo, o sol (e o calor) mas também a reintegração de um ser marginal, a fecundidade e o poder. O vermelho mais escuro representa as forças agressivas e o sangue impuro. É fabricado com a ajuda de substâncias minerais, sacrificiais (em sua origem, uma noz de cola mastigada)
O AMARELO: é um valor complementar entre os Igbo. Essa cor representa a paz, a serenidade, a fortuna, a fertilidade, a eternidade, mas também o declínio, o anúncio da morte.
O AZUL: é uma cor negativa que representa a frieza, mais paradoxalmente a pureza, o sonho e o repouso terrestre.
O VERDE: representa a crença, o nascimento, a virilidade.
O OCRE ESCURO: tem também um valor complementar entre os Igbo.
AS MÁSCARAS NAS SOCIEDADES AFRICANAS
http://www.wikio.fr/article/63320606
tradução livre do francês pelo Prof. Dr. Sérgio Paulo Adolfo


Os domínios de intervenção
A mascara não é, na realidade, esta figura esculpida que costumamos ver, ela é uma personagem, um ser que representa por sua vez, uma divindade e uma força da sociedade humana. No momento em que alguém a enverga, seu portador está investido dos atributos reconhecidos de certa força divina ou social.
A máscara resulta numa variedade de domínios de intervenção que atesta a variedade de suas funções. Podemos distinguir quatro domínios de intervenção.
Á máscara intervêm nas cerimônias de iniciação, nos ritos ligados ao nascimento e nas cerimônias funerárias; ela pode também dirigir os ritos de adoração. Nesse domínio estritamente religioso, as máscaras servem de proteção contra os espíritos maléficos e desempenham um papel de intermediários entre os deuses e os homens.
A máscara regula os litígios da paz e da Guerra e suas decisões são então irrevogáveis; no plano estritamente político as máscaras dão as diretrizes políticas aos responsáveis pelos destinos da comunidade; enfim asseguram a segurança das vilas e funcionam como policias das cidades. São ainda os mascarados que trocam informações em caso de necessidade.
A máscara desempenha um papel na vida econômica porque deve velar pelo bom desempenho das semeaduras e das colheitas, intervir para apaziguar os deuses no caso das calamidades naturais que poderiam prejudicar a vida agrícola e ameaçar a sobrevivência da comunidade.
As representações, as festas contam ainda com as máscaras para as danças, o canto e os desfiles mascarados.
Estes domínios de intervenção correspondem ainda a funções sociais importantes desempenhados pelos mascarados. Mas cada função pede um tipo de máscara apropriada e a hierarquia das funções corresponde a uma hierarquia das máscaras.
A função fundamental é de manter a ordem
A função mais fundamental é de manter a ordem. A máscara é encarregada de manter a ordem do mundo, das sociedades e das famílias. A máscara intervêm para regularizar a ordem cósmica, ameaçada pelos interditos contra as leis sociais e naturais.
Em face das calamidades naturais e das catástrofes humanas, as máscaras ordenam os sacrifícios para reparar os efeitos das transgressões que são a causa de todos esses males.
Elas devem também velar pela retidão dos modos sociais e manter os interditos que fundam a estrutura das famílias e das cidades.
Enfim as máscaras de sabedoria ou grandes máscaras decidem por derradeiro as causas que a justiça comum não consegue regular. Sua intervenção nos problemas da guerra ou da paz visa também preservar a ordem social.


Mas uma questão nos vem ao espírito: porque a necessidade de recorrer à máscara para assegurar a unidade social?

Para manter a ordem na sociedade e no mundo, os homens tem tido a necessidade da autoridade dos deuses, dos espíritos e dos ancestrais. As máscaras encarnam os depositários naturais e sobrenaturais de autoridade. Elas funcionam como os fundamentos da lei, fonte da ordem e da energia. Assim, a sacralização da autoridade através de sua investidura (da máscara) torna-se um meio de assegurar a legitimidade e a energia necessária.

As máscaras aparecem então, em última análise, como aparelhos ideológicos da sociedade tradicional africana que asseguram a conservação da ordem natural e a procura do equilíbrio e da luta contra a anarquia. Elas exprimem também a situação das sociedades que procuram não romper a continuidade primordial entre o mundo dos homens e o dos deuses, entre o natural e o sobrenatural.

terça-feira, 7 de julho de 2009

parecer de um outro pesquisador africano

Em África, a feitiçaria permanece uma realidade de todos os dias. Ela explica muitas coisas, as doenças, a morte, mas também os pequenos acontecimentos do cotidiano como resultado das influências nefastas.
Em áfrica, não se morre de micróbios. A doença é o resultado de uma disfunção social, ou seja , as doenças aparecem quando se transgride as regras da vida social. A morte é pois, conseqüência deste desvio. Para os africanos, a doença é o resultado de um conflito social entre as pessoas. O conflito provoca a frustração e as frustrações engedram a doença. (GASTON M’EMBA-NDOUMBA, 2006, PG. 5)

GASTON M’EMBA-NDOUMBA, Paris, L’Harmattan, 2006.
Tradução livre do Prof. Dr. Sérgio Paulo Adolfo

O PAPEL DO NGANGA NA ÁFRICA DE HOJE

Os nganga , médicos do corpo e do espírito


Verdadeiros especialistas do mundo invisível, os nganga ocupam um lugar considerável no universo kongo, muito além do domínio estritamente religioso. Hoje, ainda, após 500 anos de evangelização mais ou menos profunda, apesar da cristianização obrigatória do período colonial, e, sobretudo, do progresso da medicina moderna, as populações recorrem massivamente a seus serviços. Tanto os da zona rural quanto os da zona urbana, sem distinção do meio social, todo mundo se dirige um dia ou outro aos nganga. Porque sua missão principal, além de ser expert em filosofia, ciências médicas, naturais e sociais, é de tornar o mundo compreensível e de encontrar os remédios para as várias disfunções da sociedade.

Nsondé, Jean de Dieu. Parlons kikôngo. Paris, Harmattan, 1996.
Tradução livre do Prof. Dr. Sérgio Paulo Adolfo

quinta-feira, 2 de julho de 2009

O KIPASSI

O Kipaxi ou Kipassi, ou ainda Kimpasi ou Kimpasi KindemboEsta cerimônia das mais importantes entre o povo bakongo é realizada sempre que haja diminuição da natalidade ou aumente a esterilidade das mulheres, ou ainda ocorra excessiva mortalidade entre os membros do grupo. É uma cerimônia iniciática e, portanto de caráter religioso.Sempre que algum desses problemas se torne muito evidente, o chefe de aldeia começa a divulgar o acontecimento, não só na sua aldeia, mas também nas aldeias vizinhas, pertencentes à mesma Kanda . Em seguida, consulta-se o Nganga-Ngombo, o sacerdote adivinho, para saber a época mais propícia para tal realização. São admitidos no Kipassi jovens entre 12 e 18 anos, pertencentes a todas as famílias da aldeia, não sendo admitidas pessoas doentes, delinqüentes, adúlteros ou de má reputação. Toda a cerimônia ficará sob a direção e responsabilidade do Nganga-Kipassi que contará com várias pessoas de ambos os sexos para auxiliá-lo.Os ritos principais desse ritual iniciático eram os de simulação de morte-ressureição, ou morte/nkita. São sempre realizados em um local onde houver água e floresta e que outrora houvesse hospedado uma aldeia, de onde todos se mudaram e que atualmente sirva de cemitério para a comunidade. Entre a morte e a ressurreição acontecem várias cerimônias, sempre num regime alimentar de quase fome, momentos em que os iniciados aprendem o juramento da seita, juramento esse que deverá ser cumprido até o final da vida.O ato da ressurreição, primeira parte do rito, acontece sempre em noite de lua nova, e nessa ocasião os participantes mudam de nome e devem se transformar em pessoas diferentes daquela que eram antes do início da cerimônia, ou seja, antes da morte/nkita. Como conseqüência deve procurar esquecer toda a sua vida pregressa. A adoção de um novo nome é sempre parte fundamental da cerimônia, sendo que, a partir de então o iniciado usará somente o novo nome em qualquer circunstância.À ressurreição e a mudança de nome segue-se um lauto banquete, com muita comida e grandes quantidades de vinho de palma, recheados de cantigas e atos licenciosos, na exaltação dos órgãos sexuais masculinos e femininos e o ato sexual em si como necessário para a procriação.Há então uma segunda fase da iniciação, momento em que os candidatos aprendem os cânticos, as danças, a língua secreta. Adquirem hábitos de disciplina e são instruídos a nada contar aos não iniciados sobre o que acontece durante o Kipassi, a qualquer custo. Em alguns locais, o Kipassi também funciona como liturgia de iniciação de novos Ngangas, momento em que segundo o autor, os candidatos são pintados com argila branca, e o iniciador e sua ajudante cantam cânticos obscenos exaltando os órgãos sexuais masculino e feminino e seu poder de procriação. Nessas ocasiões celebram o Nkita, destacando em especial seu caráter gerador da potência procriativa e familiar.Como último ato antes da saída pública o Nganga Kipassi e seus auxiliares preparam os Minkissi individuais de cada iniciado, sendo o Nkissi constituído de duas partes: a primeira é um pequeno envoltório feito de ráfia que contém as cinzas de uma fogueira queimada durante o recolhimento e a segunda é um pequeno cesto com argila branca do rio, tacula, cinza e outros elementos que o autor não especifica, tudo regado com o sangue de um galo.Finalmente, o dia da saída, o término da iniciação, é um dia de grandes festas. Os candidatos untados de pó de takula e de óleo de palma dirigem-se em fila para o centro do mercado, sob o som de cânticos e tambores. O iniciador do Nganga-kissapi e seus auxiliares cantam ao som de tambores entre a enorme multidão reunida no mercado para tal ocasião.Os iniciados em fila, não reconhecem ninguém e resmungam palavras inteligíveis, em voz de falsete, cantando musicas aprendidas durante a iniciação e tiram das casas e das bancas do mercado o que lhes apetece e ninguém deve ou pode impedi-los.“A instituição do Kipassi tinha como finalidade principal obter dos antepassados a transmissão de suas forças procriadoras a fim de aumentar a natalidade e, portanto, o ngambo-bantu, isto é, a riqueza em homens” (MARTINS: 1958 p.71-72)Nesta descrição de Manuel Alfredo de Morais Martins (MARTINS: 1958) complementada por Luc de Heusch ( HEUSCH: 2000) sobre os bakongos de Angola podemos evidenciar alguns pontos importantes para a melhor compreensão do moderno candomblé de congo-angola. Um deles é o caráter iniciático dessa cerimônia o Kipassi ou Kipaxi. Há o recolhimento, os atos sob o som de tambores e cânticos específicos, a presença de um sacerdote especializado, a adivinhação praticada por um outro sacerdote, as pinturas rituais de lama branca e tacúla, a apresentação dos iniciados no mercado público, a maneira como os mesmos se apresentam, em forma de crianças – muito parecido com o nosso kafioto – a troca de nomes – dijina – a liberdade com que os iniciados se apoderam das coisas no mercado sem poderem ser repreendidos, tudo isso é muito parecido com a chamada feitura de santo nas casas Congo-Angola. Encontramos nessa descrição, o jogo para saber o santo do iniciado, as pinturas a que é submetido o muzenza, as várias saídas, a quitanda do muzenza etc, etc. O autor não especifica a raspagem de cabeça, mas como na cerimônia do Mbingo, vista pouco atrás, é possível que ela também aconteça no Kipassi. Outro dado interessante que merece estudo mais aprofundado é o nome do Kipassi, porque em alguns lugares, segundo o autor, ele é chamado de Kipassi Kindembo. Ora, sabemos que Kindembo é considerado o Rei de Angola, nas casas de Congo-Angola. Viria daí a realeza de Kindembo, uma vez, que na região dos bakongos essa cerimônia, o Kipassi, é fundamental para o crescimento e manutenção da população e conseqüentemente da força vital dos homens e mulheres, e que cerimônia de tal envergadura tenha Kimdembo como patrono, uma vez que leva seu nome. Isso explicaria a razão de Kimdenbo ser considerado o Rei da nação aqui no Brasil? É também preciso atentar para a figura do Nkita, presente ainda em algumas casas mais tradicionais do complexo Congo-Angola, mas já esquecido em outras. Seria o Nkita, a quem a cerimônia do Kipassi é dedicada essa figura infantil que aparece nos candomblés de Congo-Angola, arteiro, malcriado, maledicente, mas necessário no período de iniciação do Muzenza? Numa reflexão mais profunda, seria o Nkita um espírito infantil ou um espírito de um homem pequeno, de um anão, um pigmeu, o que explicaria certas atitudes tomadas pelos espíritos infantis que dominam a cena em certas ocasiões nas casas de candomblé bantu. O Nkita existe em África e no Brasil, mas aqui um pouco esquecido pelas dificuldades que seu culto apresenta, segundo os mais antigos, mas não estaria ele sendo cultuado na forma de espíritos infantis que gosta de bolo, refrigerante e outras guloseimas?Toda a cerimônia do Kipassi é elaborada em função do Nkita, que segundo Padre Martins (MARTINS S/D) é um espírito que vem até os homens para puni-los por faltas cometidas contra a tradição e a família, mas também vem para distribuir benesses.Luc de Heusch (2000) descreve uma série de cerimônias na área cultural dos bakongos e todas elas envolvem o transe mediúnico, ou seja, a tomada de um Nkissi do corpo de uma pessoa. Em uma deles, o autor nos informa que entre os Mpangu Ntandu, grupo étnico do Congo setentrional, há quatro Minkissi especializados em provocar desordens mentais principalmente em mulheres jovens. São eles, o Nkita Malari, o Mvumbi Masa, Kivunda e Nkweti, provocando inicialmente crises convulsivas nos pacientes. Segundo o autor, os dois primeiros, o Nkita Malari e o Mvumbi só atacam as mulheres e que os outros dois não escolhem sexo. Esses Minkissi após terem acometido seus pacientes de desordens mentais e estes, depois de devidamente tratados pelo Nganga, tornam-se médiuns dessas divindades e passam também a atender outros pacientes com o mesmo mal. O tratamento consiste em recolher o paciente por dois ou três meses numa cabana previamente preparada para isso, o paciente é pintado de tacula e lama do rio. Como energia ele recebe a força de um Nkissi já devidamente preparado e ao final desse tempo o paciente terá também seu Nkissi preparado pelo Nganga.É interessante perceber nestas descrições o papel exercido pelo Nkissi e o lugar especial de que goza o transe entre as pessoas. São mais alguns elementos que vêm reforçar o caráter de procedência do candomblé de congo-angola.
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SIMBI, NKITA E NKISSI – DIVINDADES CULTUADAS NO UNIVERSO CULTURAL BAKONGO.

SIMBI, NKITA E NKISSI – DIVINDADES CULTUADAS NO UNIVERSO CULTURAL BAKONGO.



Segundo Luc de Heusch em seu livro Le Roi de Kongo et les monstres sacrés (HEUSCH: 2000) os habitantes do Congo, principalmente aqueles que faziam parte do antigo reino do Congo, cultuam as divindades Simbi, Nkita e Nkissi, dependendo do grupo étnico, de diversas maneiras, sendo um pouco diferente a concepção de cada povo em relação as mesmas divindades. Pretendemos nesse artigo, baseados nesse autor, trazer algumas contribuições sobre o assunto, tentando elucidar, através dessas informações, algumas práticas do candomblé de Congo-angola do Brasil.
De acordo com as informações de que dispomos, a classe de espírito mais conhecida e louvada pelos adeptos dos cultos afro-brasileiros de feição bantu são os Minkissi,(sing. Nkissi) registrados em primeira mão por Edison Carneiro, em 1938,(CARNEIRO:1982) num livro chamado Candomblés da Bahia. Também, pelas observações que temos efetuado, o Nkissi é largamente cultuado, em que pese em algumas casas mais sincretizadas com o rito nagô serem denominados e confundidos com os orixás nagô, decorrência do sincretismo com aqueles. No entanto, qualquer angoleiro, por mais milongado[1] que seja, conhece perfeitamente o termo Nkissi e será capaz de falar dele com certa desenvoltura. Modernamente temos percebido o uso dos termos Akixi e Mukixi, para designar essas divindades, o que se dá por influência de algumas leituras, feita por parte de angoleiros mais letrados, e que, no entanto, não corresponde ao conhecimento da massa de fiéis. Para esses, os angoleiros estribados apenas na tradição oral, existem os Minkissi, conhecimento que receberam através dos ensinamentos orais transmitidos pelos mais velhos como é de praxe nessa modalidade religiosa e continuam usando o termo Nkissi para nomear os deuses cultuados em seus templos. O Nkissi é o único que está presente nas rezas, cantigas e na conversa do cotidiano das casas-de-santo de congo-angola.
Quanto ao Simbi, apesar de desconhecido da maioria dos angoleiros, de maneira formal, a palavra Simbi aparece em inúmeras cantigas, afora existir um Nkissi por nome Kissimbi, um Nkissi aquático, que também vamos encontrar nos registros de Edison Carneiro e de Luc de Heusch. O Nkita, por sua vez, não aparece nas cantigas, nem nas rezas e louvações, e a única informação mais concreta sobre a sua existência entre nós foi-nos dada por Tatá Tawá, que afirma que o mesmo é cultuado no Bate-Folha de Salvador-Ba., num culto de grande mistério e de maior fundamento ainda, a que só os iniciados da casa, e nem todos, teriam acesso a esse conhecimento e a essa prática litúrgica.
No entanto, segundo Luc de Heusch, baseado em outros autores, afirma que os espíritos Simbi e os espíritos Nkita são conhecidos e cultuados em todo o mundo cultural congo, com apenas duas exceções, conforme tabelas abaixo. Nossa investigação procura compreender porque o Nkita, tão conhecido e cultuado no mundo congo não atravessou o atlântico, ou se isso aconteceu, e ele foi esquecido pelos afro-bantu já em solo brasileiro.
O simbi, apesar de não ter culto específico como tem o Nkissi, está presente em algumas cantigas, e, apesar do desconhecimento dos angoleiros a respeito do mesmo, ele não se encontra ausente de todo do universo do candomblé angola-congo.
Vejamos, num primeiro levantamento, que povos os cultuam na África congolesa e qual a natureza e funcionalidade desses espíritos. Como dissemos acima, um desses espíritos, Kissimbe, é cultuado no Brasil como uma entidade aquática e é do sexo feminino. Não há outros Minkissi com esse nome ou um nome semelhante. Mas o espírito Kissimbe é encontrado entre os Villi povo habitante do nordeste de Cabinda. Também entre os Mpangu-Ntandu, ele, o Kissimbe, é quem preside a cerimônia iniciática do Kimpasi.
Vejamos como cada povo, listado por Heusch, define a natureza dos espíritos Nkita e Simba.

Congo meridional – justapõe Nkita e Simbi
Nkita -espírito aquático
Simbi – espírito terrestre
Para os povos do congo meridional, o Nkita é um espírito aquático enquanto o Simbi é um espírito terrestre. O primeiro é sempre um espírito benevolente, ao passo que o Nkita é um espírito vingativo e às vezes cruel.

Mpangu-Ntandu
Nkita- os que morreram de morte violenta
Nkita – são as pedras encontradas na água
Simbi – desconhecido desse grupo.
Os Mapngu-Ntandu desconhecem os Simbi e para eles os Nkita são os antepassados que morreram de morte violenta. São representados pelas pedras dos rios, que são retiradas por pessoas em transe com os próprios Nkita. Para esse grupo, o Nkita não é portanto um espírito da natureza e sim o espírito de alguém que já teve vida terrena e morreu de morte não natural.

Ndibu
Simbi –são os mortos que morreram de morte violenta
Nkita – são emanações dos simbi e são representados pelas pedras encontradas na água do rio.
Para os Ndibu, contrariamente ao Mpangu-Ntandu, os espíritos simbi sim é que são os mortos por causas não naturais, enquanto os Nkita são espíritos menores, ou seja, emanações dos Simbi. Entre estes também, a representação dos Nkita são as pedras encontradas nos leitos dos rios e que são retiradas pelas pessoas em transe com os espíritos Nkita.

Mbata –
Nkita – são emanações dos simbi e tal como entre os Ndibu são representados pelas pedras encontradas na água do rio.
Para os Mbata, os Nkita são emanações dos simbi tal como entre os Ndibu, são também representados pelas pedras do rio. Além disso, os Nkita aquáticos são usados para tratar de doenças congênitas, inclusive de partos.
Para os do Congo meridional, Mpangu-Ntandu, Ndibu, Mbata, todos os Nkita capturados na água em forma de pedras, descendem dos gênios protetores das linhagens, enquanto os Simbi só exercem sua ação benevolente nas regiões onde permanecem. Poderíamos dizer que os Nkita são espíritos de linhagem enquanto os simbi seriam espíritos locais.

Yombe (pl. Baiombe)
Simbi – são criaturas aquáticas benevolentes
Nkita – são criaturas terrestres agressivas
Nkissi nsi – são os gênios da terra
Entre os Yombe, os Nkita provocam a paralisia das pernas, enquanto os simbi tratam das moléstias das pernas (sempre são figuras protetoras)

O Nganga Mbenza – sacerdote de Nkitas os usa para tratar de doenças não de origem de nascimento
Os nkita vivem nos cascalhos sob o solo, e os Simbi vivem nas fontes e rios.


Mboma
Nkita – desconhecidos


Woyo (pl. Bauoio)
Cultuam os Nkissi como os gênios protetores, tanto da floresta como das águas.
Os Nkitas são desconhecidos desse grupo e os Simbi – são as crianças ou enviados dos grandes espíritos Bakisi ba si – Gênios locais habitantes das águas- e são também responsáveis pelos nascimentos anormais como os anões, crianças doentes, albinos ou crianças que nascem com o cordão umbilical enrolado no pescoço. Os gêmeos são considerados a encarnação dos simbis, que se comunicam com eles durante os sonhos.

Villi (pl. Bavili)

Cultuam os Nkissi e desconhecem os simbi e os Nkita. No entanto, cultuam o Kissimbi, o espírito que preside o Kimpasi entre os Mpangu-Ntandu., e entre eles, os Villi, o Kissimbe é um espírito das águas.

Teke ou tio (pl. Bakoki)

Cultuam os Nkita que chamam de Nkira, que são espíritos da natureza responsáveis pela fertilidade. Cada aldeia possui seu Nkira benfazejo cujo sacerdote é o chefe da aldeia local. Mas também há dois outros sacerdotes, o primeiro encarregado das preces ao Nkira e outro encarregado dos sacrifícios. O primeiro, mora próximo do local onde o Nkira permanece, próximo a um rio ou a floresta, enquanto o outro mora no santuário do Nkira, normalmente em frente a casa do chefe da aldeia.



Kukuya Congo Brazzaaville – mesmo grupo lingüístico dos Tio

Cultuam os Nkita (Nkira) que são espíritos aquáticos e estes possuem poderes terapêuticos.

Tabela 1
POVOS
NKITA
SIMBI
NKISSI
Congo meridional
Aquático
Terrestre
Desconhecido
Mpangu-ntandu
Aquático
Terrestre
Desconhecido
Ndibu
Aquático
Terrestre
Desconhecido
Mbata
Aquático
Aquático
Desconhecido
Yombe
Terrestre
Aquático
Espíritos da terra
Mboma
Desconhecido
Aquático
Desconhecido
Woyo
Desconhecido
Aquático
Espíritos da terra
Villi
Desconhecido
Desconhecido
Espíritos da terra
Teke/Tio
Espíritos da terra
Desconhecido
Desconhecido
Kukuia aquático Desconhecido Desconhecido

Tabela 2

POVOS QUE CULTUAM MINKISSI NA CONDIÇÃO DE ESPÍRITOS CTÔNICOS

Yombe
Terrestre
Aquático
Espírito da terra
Woyo
Desconhecido
Aquático
Espírito da terra
Villi
Desconhecido
Desconhecido
Espírito da terra


Como podemos perceber, de acordo com Heusch, apenas três povos cultuam os Minkissi, sinal claro de que o Candomblé de Congo-Angola do Brasil foi fundado por pessoas oriundas dessas etnias. Esses três povos formavam outrora os reinos de Loango, N’Goio e Kakondo, tributários do antigo Reino do Congo, e que hoje, formam o enclave de Cabinda, pertencente ao país de Angola.
Apesar dessa afirmação de Heusch, o Pe. Martins em seu livro sobre os povos de Cabinda nos informa que:

“3. Em certos ritos, festas e observâncias, onde o culto se dirige directamente ao “delegado” do Nkisi Nsi: os Nkita, Kimpasi, Mbumba Luando, sendo estes, por sua vez, dependentes do Nkisi Nsi e a ele consagrados.
Os Nkita eram bem conhecidos de todos os clãs.
Os Nkita castigavam aparecendo e partindo curavam.” (MARTINS:pg. 16 s/d)

Estas informações do Pe. Martins contradizem as de Heusch, pois para o segundo, como vimos, apenas os Baiombe, entre os povos de Cabinda, conhecem o Nkita, como um espírito terrestre. No entanto, Pe. Martins afirma com todas as letras que, os Nkita eram conhecidos de todos os clãs que habitavam o país de Cabinda.
Pe. Martins delimita o país de Cabinda, habitado pelos seguintes grupos étnicos: Bauoio, Bakongo, Basundi, Balinge, Bavilli, Baiombe, Bakoki e outros que ele não nomeia.
Para os Bauoio (Woio, sing.) os simbi exercem um papel subalterno, pois são como crianças enviadas dos grandes espíritos da terra, os bakissi ba si. Pensamos estar aí o princípio do fio da meada para entendermos os nossos espíritos infantis, os kafiotos ou monandengues que são confundidos com os erês da nação ketu.

(...)Meme situation chez les Woyo qui ignorant les nkita. En outre, ceux-ci n’accordent aux simbi qu’un rang subalterne: ils sont les enfants ou les envoyés des grands esprits chtoniens bakisi ba si, qui seuls sont l’objet d’un cult régulier (Mulinda, 2985, p. 150 et 331) (Heusch:2000)[2]

Um ponto em comum, destacado pelo autor de Les Rois de Kongo é que todos esses espíritos chegam até os homens através do transe e da revelação em sonhos. Também a forma de cultuá-los é muito semelhante entre estes povos, seja em relação ao Simbi, ao Nkita ou ao Nkissi. O elemento principal de sua representação é uma pedra, retirada do leito de um rio, por pessoas em transe com o espírito. Essa pedra é, quase sempre, colocada num cesto, acompanhada de pemba, argila vermelha, pó de tacula e outras especiarias, tudo regado a vinho de palma.
As qualidades e funções desses espíritos, quase sempre protetores, varia de povo para povo como vimos, sendo que entre alguns o Nkita é sempre agressivo, enquanto que para outros a agressividade cabe ao Simbi. Quanto à natureza intrínseca deles, para uns o Simbi é aquático e o Nkita terrestre ou vice-versa. Apenas para os três povos de Cabinda, cultuadores do Nkissi é que este sempre, com exceção do Nkondi e do Nkossi, que são por sua vez, utilizados pelos Bandoki, no intuito de feitiçaria, todos os demais Minkissi tem o poder benevolente de curar, trazer prosperidade, colheitas fartas e chuvas benfazejas. Os Nkita, os Simbi e os NKissi fazem parte do cotidiano desses povos e os ajudam a vencer as batalhas do dia-a-dia.

O nkita no Brasil

Como dissemos anteriormente, diferentemente de Cuba, onde nas tradições do Palo Congo o Nkita é reconhecido e cultuado (ver referência) ou no Haiti com seu culto ao Simbi, no Brasil apenas o Nkissi é cultuado nos candomblés de congo-angola, sendo a única referência ao Nkita aquela informação dada por Tatá Tawá que é membro da prestigiosa e tradicional casa do Bate-Folha, sediada em Salvador-Ba. O simbi aparece em algumas cantigas, mas nem sempre é notado pela maioria dos fiéis que os confunde com Kissimbe, um importante nkissi das águas doces.
No entanto, Luc de Heusch nos chama atenção para o fato de que um elemento comum entre esses povos da área lingüística do congo é o transe. No kimpasi, a grande cerimônia de iniciação entre os bakongo, o transe acontece com a tomada do neófito por um espírito Nkita. Também o autor nos adianta que os simbi e os nkitas são considerados por alguns povos como espíritos subalternos, mensageiros dos espíritos ctnônicos, os Nkisi basi.
Entre os paleiros[3] cubanos há uma concordância que os nkita e simbi sejam espíritos da natureza e os Minkissi seriam forças ctônicas semelhantes aos orixás nagôs e aos voduns gege. No Brasil, essa informação não é muito clara entre o povo-de-santo angoleiro, pois como vimos os simbis e nkitas não são cultuados diretamente.
Sendo o assunto ainda inconcluso, porque demanda novas investigações, diríamos que para os povos da área bakongo, há três classes de espíritos, a saber:

1) Os Minkissi, que são as grandes forças ctônicas, formadoras do universo;
2) Os espíritos elementais da natureza, como os simbi e os nkita, sendo os primeiros espíritos aquáticos e os segundos espíritos terrestres;
3) Os espíritos dos antepassados, tanto os bons (os bakulu) quanto os maus, (os matebo ou nkuyu).
No entanto, é necessário atentar que os bakongos são compostos de vários povos com concepções religiosas nem sempre coincidentes, pois como vimos, se todos são acordes que os simbi e os nkita são espíritos da natureza, nem sempre são acordes quanto se são aquáticos ou terrestres ou se são bons ou maus. Para nós, em nossa linha de investigação temos nos concentrado nos povos que hoje compõe a província de Cambinda – sobretudo aqueles pertencentes ao outrora reinos de Loango, Kakondo e N’Goyo, porque estes apresentam traços similares a religiosidade praticada no Brasil pelo povo-de-santo angoleiro. Inclusive em Cambinda, vamos encontrar a associação dos mascarados ndunga, e da instituição do Mbingo, de que já tivemos oportunidade de comentarmos em outro trabalho.





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Carneiro Edison. .Candomblés da Bahia. São Paulo: Editora Tecnoprint, 1982.

Heusch de Luc. Le Roi de Kongo e les monstres sacrés. Paris: Gallimard, 2000.
Lopes, Nei. Dicionário Banto do Brasil Rio do Janeiro:Prefeitura da cidade do Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, s/d
Martins, Joaquim. Cabindas – história – crenças – usos e costumes.www.cabinda.net





[1] Termo usado pelos candonblecistas da vertente congo-angola para designar aqueles templos muito misturados com ritos de outras nações.
[2] Mesma situação entre os Woyo que desconhecem os Nkita. Por outra, eles atribuem aos Simbi um traço subalterno: eles são as crianças ou os enviados dos grandes espíritos chitonianos bakisi ba si que são o objeto deles de um culto regular. (tradução minha)
[3] Palo Monte ou Palo Mayombe são os cultos de possessão bantu em Cuba. Essas formas religiosas se reconhecem como de origem congolesa.