quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

ORIGEM E HISTÓRICO DOS CANDOMBLÉS DE CONGO-ANGOLA


A história do candomblé[1] de congo-angola no Brasil está amparada quase que só na oralidade do Povo-de-santo angoleiro e seus registros escritos bibliográficos expressivos são muito escassos. Os poucos registros existentes são de Edison Carneiro, dignos de crédito, é verdade, mas em alguns momentos extremamente confusos e pouco esclarecedores. Em Religiões Negras – Negros Bantos, editado pela primeira vez em 1937 ele usa a terminologia reducionista “candomblé de caboclo” para referir-se aos candomblés bantu. Explica o autor que, os candomblés de caboclo eram uma mistura de práticas nagôs, ameríndias e de catolicismo. Ainda segundo ele, os bantu não tinham mitologia nem deuses suficientes para seu culto e por isso apoderaram-se dos orixás nagôs, das figuras de índios e da mitologia indígena, isso tudo sincretizado com o catolicismo popular. Pouco mais adiante, no entanto, ele diz que o único candomblé bantu, de nação Congo existente era o Terreiro de Santa Bárbara, de Manuel Bernardino da Paixão. O que podemos inferir dessa aparente confusão é que o autor, naquele momento, ainda não dispunha de conceitos muito claros a respeito dos candomblés que não se pautavam pelo modelo nagô. Páginas adiante ele reproduz interessante relato do Babalawô Martiniano do Bonfim, que, segundo Martiniano, o primeiro candomblé de caboclo, leia-se bantu, foi o de Naninha, uma senhora mulata, que dirigia seu candomblé no Moinho da antiga roça do Gantois que desapareceu com sua morte. O segundo candomblé de Caboclo, segundo Martiniano foi o de Silvana, que tocava sua roça num local chamado Periperí o que leva Edison Carneiro a concluir com a seguinte afirmação: “Daí, desses dois “terreiros” de caboclo, nasceram todos os candomblés que estamos estudando” (CARNEIRO: 1991, p.135). E notem que o autor estava estudando os candomblés de origem bantu de então, e, continua informando que, ainda segundo Martiniano, os negros angolas costumavam usar tambores grandes, maiores que os dos nagôs e que os tocavam deitados entre suas pernas. Acrescenta ainda, que o velho Babalawô Martiniano recordava-se da seriedade com que o Pai-de-santo Gregório Maqüende dirigia as festas de seu candomblé de nação Congo. Por essas afirmações podemos concluir dessas páginas de Edison Carneiro, que os candomblés de feição bantu, existem na Bahia desde os finais do século XIX, e que, desde seus primórdios cultuavam os caboclos, por isso eram chamados de candomblés de caboclo. É possível que a natureza do candomblé bantu, dada sua mítica, já nasceu cultuando caboclo. É também necessário atentarmos para o fato de que Martiniano do Bonfim foi auxiliar de Nina Rodrigues e que este trabalhou como informante em suas pesquisas nas duas últimas décadas do século XIX e que Martiniano era figura conhecida e circulada nos meios africanos em Salvador. Se o Babalawô se recorda de dois candomblés de caboclo (sic) famosos no final do século XIX é sinal que os Bantu já tinham culto organizado desde então, mas que não foram notados por Nina Rodrigues nem por Manuel Querino[2]. Verdade é que, o único nome conhecido que ele cita é o de Gregório Maqüende, citado no pretérito, portanto, dado já como desaparecido e comparado a Bernardino da Paixão, por sua seriedade na condução de sua casa. Não podemos nos esquecer que Bernardino foi contemporâneo de Edison Carneiro e com ele estabeleceu relações de quase amizade. Em obra posterior, (CARNEIRO: 1982) veremos aparecer os nomes de Ciriáco e Maria Neném não como fundadores e sim como Zeladores de renome, ao lado de Mariquinha Lembá juntamente com o terreiro do Calabetã. Em alguns momentos, Carneiro reconhece a existência de candomblés bantu, em outros engloba todos os candomblés não nagôs no rol dos candomblés de caboclo. Igualmente, não temos encontrado outras referências à fundação ou início dos candomblés bantu na Bahia, a não ser relativo ao funcionamento e fechamento dos famosos Calundus pelo Brasil a fora durante o período colonial, o que não nos autoriza a concluir que os candomblés bantu como os conhecemos tenha sido uma continuação dos Calundus. Ainda nessa linha de raciocínio, encontramos Ruth Landes, que esteve na Bahia no ano de 1936 e em seu livro Cidade das Mulheres, narra a entrevista que fez com Mãe Sabina, famosa, na época, e que era mãe de um candomblé de caboclo, e por isso vivamente censurada pelo povo-de-santo em razão de suas práticas e posturas inovadoras e tampouco era reconhecida pelas Sacerdotisas nagôs. Sabina era continuadora de outra Mãe de Santo, por nome Theodora, essa sim respeitada até por Mãe Menininha, que era um ícone do candomblé de então. Por aí podemos deduzir que os candomblés de caboclo, ou seja, que não eram bantu, mas que cultuavam os orixás caboclizados eram diferentes dos candomblés bantu, diferença essa não percebida claramente por Edison Carneiro. E que, os candomblés legitimamente de caboclos que tinham a frente Sabina e Theodora estavam em sua fase inicial der formação naquele momento, década de 30 do século XX, posteriores, portanto, aos candomblés de Naninha e Silvana apontados por Martiniano. Ainda no já citado Religiões Negras – Negros Bantos, de Carneiro, (1991) o autor nos relata um encontro que teve com o Pai-de-Santo Jubiabá, pai de iniciação de Joãozinho da Goméia, e diz lá claramente que Jubiabá era um Sacerdote de Candomblé de Caboclo o que nos leva a pensar que talvez Jubiabá fosse um sacerdote de Candomblé bantu como sempre afirmou Tata Londirá. Nesse mesmo livro, Carneiro registra algumas cantigas coletadas em candomblés de Caboclo, sendo algumas em português, inclusive conhecidas nossas por as termos ouvido em casas de angola milongada. Outras em Kikongo/kimbundo entoadas até hoje nas casas tradicionais o que é um dado a mais na nossa tese de que Carneiro confundiu candomblé de caboclo com candomblé bantu. Se Silvana e Theodora causavam tanto mal estar nos meios candomblecistas é porque praticavam um culto novo que feria a ortodoxia dos candomblés nagôs, ou seja, não era algo já concretizado e cimentado, mas alguma coisa inovadora e causadora de espanto e mal estar. Por todas essas evidências, podemos concluir que o que Edison Carneiro chama de candomblé de caboclo era na verdade candomblé bantu. E ele próprio afirma através da fala de Martiniano do Bonfim que eles, os candomblés de caboclo (sic) existiam desde o século XIX, permanecendo ainda muito vivo nas lembranças de Martiniano as figuras de Naninha e Silvana, antigas sacerdotisas de candomblé bantu. Martiniano, no mesmo texto, também pontua a maneira dos angolanos tocarem seus atabaques, que eram bem maiores que os atuais (deles) usados pelos nagôs e inclusive à maneira de executá-los. Todos esses elementos nos conduzem a concluir que os candomblés bantu foram criados muito antes da Matriarca Maria Neném, que eles já existiam na Bahia concomitantemente aos candomblés de outras nações e que a importância de Maria Neném, chamada de “A Mãe do Angola” está no fato de que de suas mãos tiveram origem duas raízes importantes do candomblé Bantu, no Brasil, o Bate-Folha e o Tumba Junçara, criadas a partir das ações de Bernardino da Paixão e Manuel Ciriáco e que não sem razão ela, Maria Neném, é figura viva na memória do Povo-de-Santo angoleiro e, por isso, recebeu este merecido epíteto.
[1] Segundo Nei Lopes: (3) Comunidade terreiro onde se realizam essas festas. De origem banta mas de étimo controverso. Para A.G. Cunha é híbrido de Candombe mais o yorubá Ilê, casa. Nascentes dá apenas origem africana. Raymundo dá kA+ndombe, com apêntese de l. E Yeda P. de Castro aponta longa evolução, a partir do protobanto.
[2] Manuel Querino, pesquisador auto-didata que viveu na Bahia , nasceu em 28 de julho de 1851, na cidade de Santo Amaro da Purificação. Escreveu entre outros livros e artigos para revistas, o célebre A raça africana e os seus costumes na Bahia, publicado pela primeira vez em 1938.